NOTA: 9
Como já mencionei em outras resenhas, o diretor Lucio
Fulci era o Padrinho do Gore. Desde que se aventurou no gênero terror, no final
dos 70, Fulci mostrou que entendia da arte de assustar o publico com cenas
repletas de sangue. Porém, antes de se tornar um dos mestres do terror da
Itália, Fulci resolveu se aventurar no Giallo, que na época, estava em alta no
país. O diretor iniciou a carreira no gênero com Uma Sobre a Outra (1969),
passando pelo polêmico O Segredo do Bosque dos Sonhos (1972), Premonição (1977), e este aqui, UMA LAGARTIXA NUM CORPO DE MULHER,
lançado em 1971.
O filme, que marca sua primeira parceria com a atriz
brasileira Florinda Bolkan, é um dos melhores exemplares do gênero. Com uma
trama cheia de mistérios e reviravoltas, o filme consegue prender a atenção do
espectador, e deixa-lo intrigado para resolver o mistério.
Como já disse outra vezes, o Giallo foi um subgênero
que, da mesma forma que o terror, por exemplo, teve suas variações, e esse
filme é uma delas. Sim, porque ele não apresenta o tradicional assassino de
luvas pretas que sai matando mulheres com requintes de crueldade. Aqui, a trama
é bem diferente; o roteiro apresenta uma ideia até original para o gênero, a
ideia de que, às vezes, nosso subconsciente nos prega peças. Não digo que esse
tema específico não foi abordado outras vezes em outras mídias, até acredito
que sim; estou dizendo que, no gênero Giallo, eu vi poucos filmes que tocaram
nesse assunto. Claro, a ideia da testemunha ocular que viu algo, mas não tem
certeza, é algo recorrente, mas não chegou a ser explorada por um viés
cientifico. Então, aqui, temos, sim, a protagonista que não sabe o que viu, mas
abordado de outra forma. Segundo o roteiro, tudo acontece no subconsciente da
personagem, que sofre de insônia e parece apresentar transtornos psicológicos.
Tal argumento é muito bem abordado pelo filme,
principalmente nas cenas de investigação, quando os policiais decidem
entrevistar o terapeuta. Admito que às vezes, as explicações dele parecem um
tanto confusas, mas, se fizermos um esforço, podemos entender o que está sendo
dito para nós, e até compreender a chave do mistério. Um mistério, que, como é
comum no gênero, só é revelado no final do filme.
O roteiro faz uso de algo que já vi em outros
exemplares. Em certo ponto da trama, as evidencias coletadas pela policia
apontam para um determinado personagem, apesar do mesmo negar sua participação
no caso. Pois bem, o filme utiliza desse argumento, e ao mesmo tempo, apresenta
outros personagens que podem também ser culpados pelo crime, o que obriga o
espectador a pensar um pouco mais. É uma tática muito boa, que funciona.
Eu confesso que na primeira vez que assisti ao filme,
tive minhas dúvidas, principalmente a respeito do crime e do titulo; mas,
conforme fui assistindo outras vezes, comecei a “pescar” as dicas apresentadas
no roteiro e passei a compreender o que estava sendo apresentado. É uma coisa
que acontece em muitos Gialli, porque as peças do quebra-cabeça nos são
entregues aos poucos, então, temos que raciocinar antes de começar a montá-lo.
Fulci faz uso desses enigmas com maestria, e consegue, sem esforço, deixar o
espectador em dúvida. Ouso até dizer que essa dúvida fica conosco até mesmo
depois do mistério ser resolvido, obrigando-nos a rever o filme.
Como mencionado acima, o filme marca a primeira
parceria entre o diretor e a atriz brasileira Florinda Bolkan. A performance da
atriz é excelente. Sua personagem parece tomada pela paranóia constante, provavelmente
ocasionada por seus problemas psicológicos. Florinda passa, com total
veracidade, tudo aquilo que a personagem está sentindo, seja medo, duvida,
ódio... uma atuação excelente. Seus colegas de elenco não ficam atrás. O ator
Jean Sorel, que já trabalhou com o diretor em Uma Sobre a Outra, também
entrega uma ótima performance como o marido da protagonista; mas, quem rouba a
cena, de fato, é o ator Stanley Baker, no papel do inspetor encarregado do
caso; parece mesmo que ele é um policial, que não mede esforços para resolver o
enigma e prender o culpado. Os outros atores também entregam boas atuações, e
seus personagens também tornam-se criveis. Porem, o filme tem um defeito. A
vizinha da protagonista é interpretada pela atriz Anita Strindberg,
não-creditada. Eu sei que ela é uma das musas do Giallo, mas, como disse na
resenha de No Quarto Escuro de Satã, eu não gosto dela, não acho que seja
uma boa atriz. Sua participação no filme é pouca, mas, mesmo assim, não me
agrada.
O responsável pelos efeitos especiais foi o mestre
Carlo Rambaldi, famoso por criar o monstro de Alien, o 8º Passageiro e
o E.T. de E.T., o Extraterrestre. Com vasto currículo, Rambaldi já
trabalhou com alguns mestres do cinema, e no terror, seus truques merecem ser
mencionados. Como já sabemos, Fulci tornou-se conhecido por ser o Padrinho do
Gore, algo que desempenhou com maestria. Pois bem, mesmo não sendo um filme de
terror, aqui temos alguns efeitos de gore, principalmente nos sonhos da
protagonista. E Fulci já deu uma amostra do que faria no futuro, porque o gore
é caprichado, com direito a tripas expostas e sangue escorrendo. Porem, a cena
mais famosa do filme é a tal “cena dos cachorros”, que causou um grande
alvoroço na época, devido a sua veracidade. O caso foi tanto que Rambaldi teve
de levar os bonecos para o tribunal, a fim de provar que não eram verdadeiros.
A cena é, de fato, chocante e impressionante. Um verdadeiro tapa na cara.
Além dos efeitos especiais de Carlo Rambaldi, o filme
também contou com a trilha sonora do grande Maestro Ennio Morricone. A trilha
do Maestro é excelente, com aspecto de fantasia, principalmente nas sequencias
de sonho da protagonista. Nas cenas de suspense, a trilha muda de foco,
tornando-se até um pouco sombria. Um belo exemplo do trabalho promissor do
saudoso Maestro Ennio Morricone.
Para finalizar, vou destacar a sequencia em que a
protagonista é perseguida por um dos suspeitos do crime dentro do Alexander
Palace. Mesmo não sendo um filme de terror, esse é o momento mais assustador do
filme, porque é impossível saber o que vai acontecer. A tensão está presente em
todos os momentos, e parece que vai aumentando a medida que o homem se aproxima
dela. Uma sequencia impressionante, digna de pesadelos.
Foi lançado em DVD no Brasil pela Versátil Home Vídeo
na coleção Giallo Vol.2, em
excelente versão restaurada.
Enfim, Uma
Lagartixa Num Corpo de Mulher é um filme excelente. Uma historia enigmática
de investigação policial, com elementos de erotismo e terror. Um roteiro muito
bem escrito, que não entrega de cara a solução para o espectador, obrigando-o a
raciocinar conforme vai acompanhando o filme. Uma direção madura de Lucio Fulci
contribui para deixar o filme ainda melhor, combinado com a excelente atuação
da atriz brasileira Florinda Bolkan. Um excelente exemplar do gênero Giallo.
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Créditos: Versátil Home Vídeo |
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