sexta-feira, 27 de setembro de 2019

GRITO DE HORROR (1981). Dir.: Joe Dante.


NOTA: 9.5



GRITO DE HORROR (1981)
Como boa parte dos filmes de terror, meu contato com GRITO DE HORROR (1981) se deu na locadora, por meio da capa do VHS de uma continuação. Nesse caso, a continuação foi Um Lobisomem na California, sétimo filme da franquia. Na época, eu não sabia que o filme era uma continuação desse aqui, talvez porque não prestei atenção no título original – Howling: New Moon Rising – então, achei que era um filme aleatório. Eu fui descobrir que o filme era uma continuação porque vi no site Boca do Inferno, a capa do filme, ilustrando a resenha do mesmo. 

Mas, esse não foi meu único contato com a franquia. Anos depois, eu assisti um filme em que mostrava um sujeito derretendo até os ossos e depois, outro rasgando o próprio rosto e exibindo dentes afiados, banhados em sangue. Conforme o título anunciava, era um filme chamado Grito de Horror. Confesso que fiquei assustado com o que vi, porque, era de fato, muito bem feito. Na época, eu não sabia, mas tratava-se de Grito de Horror IV: Um Arrepio na Noite, considerado uma espécie de refilmagem do primeiro filme. E por fim – talvez tivesse acontecido antes – , eu estava vendo TV à noite, quando apareceu um céu estrelado com o saudoso Christopher Lee lendo um livro. Era a introdução de Grito de Horror 2, anunciado como Grito de Terror.

Esse foi meu primeiro contato com o filme, mesmo que tenha ocorrido com as continuações. Meu contato direto com o primeiro filme deu-se quando a extinta revista SET publicou na edição de Dezembro de 2003 a crítica desse filme aqui, que estava para ser lançado em DVD por aqui. No inicio, não demonstrei interesse, porque achei que se tratava de um filme ruim, mesmo com a nota dada pela revista. Porém, pouco depois, demonstrei vontade de conhece-lo, mas, não encontrava na locadora da qual era freguês. Acabei encontrando o DVD em outra locadora, e aluguei. O resultado? Adorei o filme.

Grito de Horror é um dos melhores filmes de lobisomem de todos os tempos, sem dúvida. Pode-se dizer que ele é o primeiro filme da “Trilogia dos Lobisomens dos Anos 80”, completada pelos também maravilhosos Um Lobisomem Americano em Londres (1981), de John Landis, lançado logo depois, e A Companhia dos Lobos (1984), dirigido por Neil Jordan.

Baseado no livro de Gary Brandner, o filme esteve em produção pelo Avco Embassy, após o produtor Daniel Blatt demonstrar interesse em adaptá-lo. Como resultado, ele e o produtor Mike Finnell foram atrás de uns roteiristas para adaptar o livro. Um deles, Jack Conrad, que também entrou como produtor, acabou fazendo uma adaptação bem fiel ao livro, o que não agradou os outros produtores, o que resultou na contratação de John Sayles e Terrence Winkles. A proposta apresentada a ambos foi a de que eles poderiam utilizar apenas o argumento inicial: lobisomens que se transformam durante o dia, e excluir o restante do livro. Nesse meio tempo, Joe Dante acabou sendo contratado como diretor, após ser dispensado de outro projeto. Dante e Sayles já haviam trabalhado anteriormente em Piranha (1978), e naquele ano, ele também estava envolvido com o roteiro de Alligator (1980). Dante aceitou o desafio e completou o filme em 28 dias.

O que o torna um dos melhores filmes de lobisomem de todos os tempos? Bom, eu diria que primeiramente a temática nova para o gênero. Até então, sabíamos que lobisomens só poderiam surgir na Lua Cheia, mas aqui, isso foi jogado de lado. Aqui, temos lobisomens o tempo todo, até mesmo durante o dia; além disso, eles são indestrutíveis e podem se regenerar. O único aspecto clássico que ficou foi a bala de prata, mas, ao invés de morrer  com um tiro no coração, eles podem morrer com tiros em qualquer parte do corpo, além de poder morrer com fogo. Acho que nunca mais vi um filme com uma roupagem nova ao subgênero como esse.

Mas não é apenas essa nova abordagem que faz de Grito de Horror um filme sensacional. A direção de Joe Dante é muito correta, e, já em seu quarto filme, ele mostrou que é um diretor competente. Dante faz maravilhas com o baixo orçamento que tinha, uma prova de que não é preciso ter rios de dinheiro para fazer um bom filme. O longa possui momentos de tensão, e, até pelo menos a metade, não dá pistas sobre qual é o tema.

Segundo o diretor, de certa forma, a intenção era mesmo essa, principalmente no trailer, divulga-lo como se fosse um slasher, que estava em alta na época. E de fato, parece um filme de serial killer, porque, o foco no inicio é justamente esse: a protagonista é perseguida por um assassino que está atuando em Los Angeles; então, a policia arma um esquema para prendê-lo em flagrante, o que acaba dando errado. Ou seja, quando parece que se trata de um thriller, de repente, muda para um suspense psicológico, onde a “heroína” é atormentada por sonhos com o matador. O verdadeiro tema, os lobisomens, é abordado mais adiante, e quando acontece, é aos poucos, de maneira sutil. Não sei se estava no roteiro ou se foi uma saída que a equipe encontrou porque não podiam encher a tela com lobisomens, mas o fato é que funciona. Como já mencionei varias vezes, é o tipo de filme de terror que eu gosto muito, porque mostra que não é preciso mostrar a ameaça logo de cara; é possível falar sobre o tema aos poucos, sim. E aqui, acontece na ótima cena da loja de livros, onde o saudoso Dick Miller reinterpreta Walter Paisley, aqui vendedor de livros e especialista em lobisomens. A partir daí, os monstros surgem em toda sua gloria. A melhor cena, sem duvida, acontece no consultório do Dr. Waggner, quando um deles ataca uma das personagens. E o monstro é lindo. Enorme, com orelhas grandes, garras afiadas e dentes afiados. Completamente diferente de tudo que havia sido abordado até então.

As cenas de transformação também são um destaque. A primeira acontece depois de 40 minutos e é muito boa. Mas o verdadeiro trunfo acontece quando o personagem Eddie decide se transformar diante da protagonista. Assim como John Landis faria em seguida, Dante mostrou a transformação em todos os detalhes, diante da câmera. E que transformação. O corpo do personagem se transforma em um punhado de inchaços, com direito a unhas crescendo, focinho esticando, orelhas crescendo... Tudo, combinado com sons de ossos quebrando. Uma cena de transformação excelente, tão boa quanto a do filme de Landis. Inclusive, um dos melhores momentos é quando a criatura exibe uma espécie de sorriso enquanto seu rosto se alarga. Para mim, é uma imagem perfeita. As outras cenas de transformação, mesmo limitadas, não ficam atrás. Os efeitos especiais foram criados por Rob Bottin, que já havia trabalhado com Dante em Piranha. Curiosamente, Bottin foi contratado após Rick Baker aceitar trabalhar com John Landis em seu próprio filme de lobisomem, e o indicou para o trabalho. Baker foi creditado apenas como consultor. No final, a maquiagem e os lobisomens de Bottin tornaram-se uma das atrações do filme, e o artista entrou para o hall dos maquiadores do cinema de horror. No ano seguinte, ele foi o responsável pelos efeitos especiais do excelente O Enigma do Outro Mundo (1982), de John Carpenter.

A fotografia também contribui para o filme. Mesmo sendo um filme de terror, existem momentos coloridos no filme, principalmente no final. Os tons de azul e vermelho são fortes e chegam a pulsar na tela. Parece até um filme do Maestro Mario Bava. As cenas durante o dia também são bonitas, principalmente envolvendo a Colônia. A locação é belíssima, e foge daquele aspecto soturno que seria esperado em um filme de terror. Mas mesmo assim, não tiram a tensão presente no filme.

Outra coisa bem legal sobre o filme é o fato de ter várias surpresas escondidas. O próprio Dr. George Waggner é uma delas. Seu nome veio do diretor do clássico O Lobisomem (1941), da Universal Pictures, com Lon Chaney Jr. no papel principal. Chaney Jr. aparece no filme duas vezes. A primeira, quando o clássico da Universal está passando na TV, e outra quando uma foto sua é vista no consultório de Waggner. Mas não é só isso. Outros personagens do filme receberam nomes de cineastas que fizeram filmes de lobisomens, entre eles, Jack Molina, pseudônimo americano de Jacinto Molina, nome verdadeiro de Paul Naschy, que interpretou o lobisomem Waldemar Daninsky na série do “Hombre Lobo”. O filme também contou com John Carradine no elenco, que interpretou Drácula em dois filmes da Universal. Tem também uma ponta do editor da revista Monsters, além de Roger Corman e Mick Garris. Um prato cheio de surpresas para os fãs do gênero.

Grito de Horror gerou diversas continuações, a maioria, inferiores. Na minha opinião, os únicos que valem a pena são Grito de Horror 3, A Nova Raça, lançado em 1987 e Grito de Horror 4, Um Arrepio na Noite, lançado em 1988. Ambos são duas produções trash muito divertidas. O resto, é totalmente dispensável.

Chegou a ser lançado em VHS e DVD por aqui, mas atualmente, está fora de catálogo.

Enfim, Grito de Horror é um grande filme de terror. Assustador, tenso, sangrento, com monstros fantásticos e grandes cenas de transformação. Um dos melhores filmes de lobisomens de todos os tempos. Um clássico do terror.

Altamente recomendado.









Confira também a resenha em:
https://livrosfilmesdehorror.home.blog/2019/09/27/grito-de-horror-1981-dir-joe-dante/


Acesse também:
https://livrosfilmesdehorror.home.blog/



sexta-feira, 13 de setembro de 2019

IT, A COISA (Stephen King).


NOTA: 10




IT, A COISA
IT, A COISA é um clássico absoluto de Stephen King, o Mestre do Terror.

Um livro perfeito, escrito de maneira brilhante, rico em detalhes, digno de apavorar qualquer um, sem fazer esforço, repleto de cenas memoráveis.

Escrito pelo autor durante os anos 80, o livro tornou-se um de seus maiores sucessos e continua assim até hoje. Mas o que o torna um livro tão perfeito?

A começar pela narrativa. Não há duvidas de que Stephen King é um mestre na arte de escrever, e até agora, não encontrei nenhum livro – ou conto – que me decepcionasse. E It é um deles. Durante a leitura, King mostrou que estava em sua melhor forma, ao contar uma historia tão detalhada e assustadora.

Como já devo ter mencionado, existem casos em que um livro pequeno, de poucas paginas, como A Metamorfose, por exemplo, contém muito mais historia do que um calhamaço de quase 2.000 páginas. Mas, existem exceções, e It é uma delas. Sinceramente, não consigo imaginar esse livro com menos de 600 paginas, porque não faria sentido nenhum. King precisou, sim, estender a narrativa até o total de 1.100 páginas, porque ele tinha muita, mas muita historia para contar.

Conforme ele mesmo revela em um dos extras do primeiro capítulo da nova adaptação, sua fonte de inspiração para criar a pequena cidade de Derry foi o próprio estado do Maine, seu lar. Ele contou que buscou inspiração nas historias que leu sobre a cidade de Bangor, os relatos de brigas de gangues, por exemplo, que acabaram entrando no livro. Ele também pesquisou sobre seu próprio passado, como quando ele e seu irmão brincavam no rio que havia na cidade, e como isso também influenciou na criação do Barrens, e claro, inventou suas próprias historias, juntou tudo e criou e cenário da historia.

E ele faz tudo com perfeição. Seu relato sobre Derry é fantástico, bem como suas descrições da cidade. Em inúmeros momentos, eu consegui visualizar aquela cidade, como seriam os prédios, as casas, as praças, a estatua do lenhador, o cinema, enfim, tudo. É o tipo de coisa que costumo fazer quando estou lendo um livro e me envolvo com a historia, independente do autor e do gênero, e aqui, não foi diferente. E quando acontece uma coisa assim, é porque eu adoro o que estou lendo. Inclusive, pessoalmente, eu acho muito mais fácil criar uma cidade, seja ela de que tamanho for, do que utilizar um cenário real. O autor tem mais liberdade para imaginar a estrutura do lugar, onde cada prédio ficaria, como seria a rotina dos habitantes, enfim, tudo, sem se ater a costumes antigos. Eu pessoalmente, gosto de imaginar assim; claro, não tenho nada contra usar um cenário real numa historia, cada um é cada um.

E claro, It é um livro de horror, e como tal, não faltam cenas de horror. Mas, qual a melhor delas? Olhe, difícil dizer. Na primeira leitura, já tive impressão; agora, com a releitura, a impressão continuou. Difícil escolher a melhor, porque são muitas. E com certeza, essas cenas de horror já se tornaram antológicas.

O Clube dos Otários é sem duvida, uma das melhores coisas do livro. É possível perceber, durante a leitura, que o livro é sobre eles. King descreve cada um deles maravilhosamente, expondo suas vidas, seus medos, tristezas, alegrias, dificuldades, enfim, tudo sobre eles. Difícil dizer qual é o melhor deles, porque são todos adoráveis. Cada um tem a sua característica, o seu modo de pensar, de agir, de ver o mundo, e principalmente, cada um tem o seu próprio mundo. Eles têm problemas, sim, como todos nós; passam por dificuldades tanto na juventude quanto na fase adulta; em algum ponto da vida, eles fracassaram em seus objetivos, enfim, são seres humanos completos. E de verdade, é impossível não vê-los juntos e não se apaixonar. De fato parece que a dinâmica entre eles é bem real, com cada um agindo do seu jeito, mas sempre pensando naquela temática do “Um por todos e todos por um”. Eles nunca estão sempre sozinhos, quase sempre estão juntos os sete; eles têm o seu ponto de encontro no Barrens, uma sede do clube embaixo da terra... O tipo de coisa que todos nós gostaríamos de ter em algum momento da vida, pelo menos eu. E claro, eles passam por perrengues, seja em casa, seja na escola. Ou seja, repetindo, são pessoas de verdade. Na leitura, é possível perceber uma certa troca de papéis. Se na infância, o grupo era liderado por Bill, na fase adulta, Mike, o único que ficou em Derry, assume esse posto de liderança, mesmo que temporária. Interessante essa troca.

Como os sete são os personagens principais, não é muito fácil distinguir quem, de fato, é o protagonista da historia, porque é daquele tipo onde todos os personagens conduzem, cada um do seu jeito. Não tem essa de “um tem mais espaço que o outro”; todos eles têm o seu momento, e brilham nesse momento, seja na juventude, seja na vida adulta.

Os outros personagens também são maravilhosos. Assim como os sete membros do Clube, cada um ali descrito tem sua própria vida, cheia de fracassos, alegrias, tristezas, enfim... Porém, é possível perceber que King dá mais espaço para o valentão da escola, o adolescente Henry Bowers, e seu grupo. King os descreve com a mesma paixão que descreve o Clube dos Otários, principalmente Henry. Ele, sem duvida, o típico adolescente que mete medo em todo mundo. O típico valentão da escola, que adora provocar os mais fracos e meter medo neles. No entanto, existe algo a mais. Henry é sádico. Sempre armado com seu canivete gigante, é evidente que ele não quer apenas machucar os Otários; ele odeia a todos. Os outros membros do grupo de Henry também são valentões, mas, nem todos são perversos; a única exceção é Patrick Hockstetter, que consegue ser tão sádico, ou até, pior do que Henry. Eu acho que ele é pior. King dedica um capitulo só para ele, e o que está escrito não é brincadeira. Patrick é terrível, cruel, sem escrúpulos ou remorso. Esse foi um dos capítulos mais arrepiantes do livro. E o destino dele também não fica atrás.

No entanto, na opinião de muitos, o que faz de It um livro assustador, não é o vilão, ou as cenas de horror. O que assusta de verdade, são os assuntos que King aborda. Falo de racismo, violência domestica, violência psicológica, abuso sexual, assedio, enfim, essas coisas que existem na nossa sociedade e nos assustam todos os dias. Infelizmente, é possível perceber que, mesmo tendo sido lançado há mais de 30 anos, o livro continua atual nesse aspecto, porque a nossa sociedade não mudou nada em relação a esses assuntos; pelo contrario, às vezes, nem sempre, são varridos para debaixo do tapete. Não é sempre que isso acontece, mas acaba acontecendo. Eu, pessoalmente, não gosto de noticias envolvendo esses assuntos, na verdade, nem gosto de discutir nem de saber sobre eles porque são muito tristes.

Outra coisa que King faz com maestria, é mostrar que, apesar da ameaça da Coisa, a cidade de Derry também é envolta em sangue. Muito sangue. Nos trechos batizados de “Interlúdios”, Mike conta em seu diário como foi a historia da cidade, na tentativa de descobrir o motivo pelo qual a Coisa retorna a cada 27 anos. E olha, que historia. Derry tem o sangue nas veias. Ao longo dos séculos, a cidade testemunhou o pior de seus habitantes, com direito a massacres em bares, crianças mortas em explosões, pais espancando filhos... Acho que um dos mais violentos episódios foi o incêndio no clube Black Spot, um clube para negros, ocorrido nos anos 30. Durante a leitura, eu consegui visualizar aquela noite horrível, onde muitos homens perderam a vida. King não faz cerimonia, e descreve a destruição nos mínimos detalhes. Sem duvida, um episodio trágico, mesmo sendo fictício. O mesmo vale para outros episódios trágicos descritos nos Interlúdios, mas, na minha opinião, o mais triste foi esse.

E como mencionado acima, seria impossível descartar esse lado negro da cidade, porque deixa a descrição mais rica, e também ajuda a entender por que a Coisa se sente atraída pela cidade e seus habitantes.

E o que dizer a respeito de Pennywise, o Palhaço Dançarino? Pennywise. É sem dúvida, o melhor personagem do livro. Com certeza, foi o responsável – ou um dos responsáveis – por causar coulrophobia em muitas pessoas. Coulrophobia é o termo dado para quem tem medo de palhaços. Não é difícil entender o motivo. Apesar da fama de serem engraçados, palhaços são, em primeiro lugar, assustadores. Quem consegue achar graça num ser humano com a cara branca, sorriso enorme e um enorme nariz vermelho, com sapatos gigantes? Eu não. Na verdade, eu não sofro de coulrophobia, mas não gosto de palhaços, nunca gostei. Mas, Pennywise... Meu Deus. Ele consegue meter medo em todo mundo, sem esforço nenhum. Desde que surge, no começo do livro, ele mostra que não é um palhaço bonzinho, e isso segue até o final da historia. Na verdade, ao longo do livro, King revela que o palhaço Pennywise é apenas uma das formas que a Coisa assume para atrair as crianças, conforme explica em um trecho do livro. O monstro assume inúmeras formas para assustar suas vitimas, incorporando seus piores medos, mas é o Palhaço Pennywise que fica na nossa memória, tanto que é impossível não associar o livro à figura do palhaço. Além de ser um dos maiores vilões do universo de Stephen King, é também o mais complexo. A Coisa é uma entidade mais antiga que o Universo, que veio à Terra para se alimentar de crianças, a fim de obter força. E King descreve sua criatura de forma impressionante, tão impressionante, que requer esforço da parte do leitor para entender como ela funciona. Sério. Acho que nem as criaturas de H.P. Lovecraft são tão complexas. Mas, pessoalmente, eu não encontrei dificuldade em assimilar e entender a historia da Coisa. Na primeira leitura, eu consegui entender como ela funciona e como ela assume e forma física na Terra e também como faz uso de várias formas para assustar suas vitimas e atraí-las. No fundo, é possível resumir a Coisa da seguinte maneira: é uma entidade cósmica que se alimenta de crianças e assume várias formas com o intuito de assustá-las; a forma do palhaço Pennywise é a forma que ela usa para atrair as crianças. Não deve ser tão difícil, não é? E o método que King encontrou para torna-la uma predadora perfeita é brilhante: somente as crianças conseguem vê-la, os adultos, não. E por quê? Porque quando nós crescemos, deixamos de acreditar em certas coisas, como fantasmas, monstros, fadas, essas coisas. Portanto, fica mais fácil para a Coisa caçar e matar as crianças de Derry, porque elas são muito mais vulneráveis.

Agora, sobre a minha sequencia favorita, vou dizer qual é. É um capitulo que é narrado principalmente como se fossem noticiais de um jornal. Claro que o que está sendo documentado não é bonito, mas, o que me atrai nesse capitulo é o modo como é escrito. As noticiais ali descritas parecem reais, e posso apostar que o jornal onde elas estão veiculadas, pode ser encontrado com facilidade nas bancas.

Meu outro momento favorito é quando King traz uma convidada de seu universo para a história, quando Henry já é adulto, e decide ir atrás dos Otários. A cena é fantástica, assustadora e bem feita. Eu adorei na primeira vez que li, e na releitura, adorei mais ainda. E o modo como ela entra na historia faz tanto sentido, que, francamente, não poderia ser de outro jeito.

Mas não é apenas um membro de seu universo que o autor traz nesse livro. Outro personagem, de um de seus livros mais famosos, também aparece em determinado momento da historia, no trágico episodio do incêndio do Black Spot. Tem gente que acha que é uma forma que o autor encontrou pra dizer que suas historias estão conectadas. Eu pessoalmente, não vejo assim; eu acho que é apenas uma brincadeira.

O livro é alucinante, não há duvida quanto a isso. Em certos momentos, a leitura é frenética, como se fosse um filme de ação; acho que é porque tem muitas cenas de ação. Mas são cenas muito bem escritas, e parece que conseguimos visualizá-las conforme lemos o livro; pelo menos pra mim foi assim. E esse ritmo frenético contribui para o andamento da historia, e não a deixa chata em momento nenhum, pelo contrário, ela fica ainda mais emocionante. Mas com certeza, os momentos mais frenéticos ficam para o final, quando os Otários vão enfrentar a Coisa novamente.

Esse é o momento em que a história dá uma guinada de cair o queixo. Porque, acredito que até aquele momento, a impressão que se tem a respeito do palhaço Pennywise, é que talvez ele seja um tipo de fantasma ou demônio do inferno, não sei. Mas, quando King finalmente conta quem e o que ele é de fato, a coisa muda de figura. Como já mencionei, eu acho, sem duvida, essa ideia de fazer do palhaço uma entidade cósmica, genial. Fora as criaturas de H.P. Lovecraft, não me lembro de ler nenhum outro livro de terror sobre entidades cósmicas. No entanto, apesar do brilhantismo de King, Lovecraft ainda carrega a coroa de rei do terror cósmico. Eu acredito que King transformou seu monstro em entidade cósmica, como uma homenagem à Lovecraft, de quem é admirador confesso. E, se parar pra pensar, existem alguns elementos lovecraftianos na concepção de Pennywise e da Tartaruga, sua rival cósmica.

Claro, como toda historia de monstro, não poderia deixar de existir o lado do Bem, e a Tartaruga é esse lado. Apesar de aparecer pouco, ela tem uma presença forte na historia, e é bem legal o modo como King a desenvolveu. Não fica difícil imaginar uma tartaruga velhinha, toda enrugada, de bengala até, falando com Bill no vácuo, quando eles vão enfrentar a Coisa pela primeira vez. Parece mesmo que a Tartaruga está velha, com o peso do universo sobre o casco. Bem legal.

Os confrontos dos Otários com a Coisa são de cair o queixo. Assim como as cenas de ação, também são momentos frenéticos, mas nem por isso, menos brilhantes. São cenas assustadoras, onde a Coisa mostra todo o seu poder, assumindo diversas formas, arrastando os Otários para o vácuo, com o objetivo de enfraquece-los, e não poupando nenhum deles. Mas o melhor fica para o final do livro, quando eles enfrentam a Coisa pela última vez. Ali, King mostra quem de fato é a Coisa e qual a forma que ela assuma na Terra. São momentos delirantes. King descreve tudo com maestria, e novamente, não fica difícil visualizar tudo aquilo, principalmente a Coisa em sua forma final.

Talvez um dos aspectos mais conhecidos do livro, é o fato de que, quando estava escrevendo, King estava sob efeito de cocaína, infelizmente. Infelizmente, porque, nessa época, o autor era viciado em drogas e em álcool, o que tornou-se um dos piores momentos de sua vida. Com certeza, esse fato gerou a cena mais comentada do livro, a famosa “cena da orgia” entre os Otários no esgoto. Muita gente, mas muita gente, não entendeu o motivo dessa cena estar no livro, nem a sua relevância para a historia, mas, do meu ponto de vista, existe uma explicação. Momentos antes da tal cena, as crianças estão presas no esgoto, que assim como a cidade, estava sofrendo os efeitos de uma tempestade. Estavam desesperados, achando que nunca mais iriam sair de lá, o que levou Beverly a sugerir que os meninos fizessem sexo com ela; como ela mesma explica no diálogo, foi uma forma deles se unirem para sempre, pois acharam que nunca sairiam do esgoto com vida. Viram como é fácil? Só olhar nas entrelinhas.

Eu poderia falar mais sobre o livro, mas, não quero entregar spoilers.

O fato é que It, A Coisa é um Clássico de Stephen King.

Como a maioria de suas obras, acabou sendo adaptado. No caso, foi adaptado duas vezes. A primeira foi a clássica e inesquecível – e ainda insuperável – minissérie de 1990, dirigida por Tommy Lee Wallace, com Tim Curry no papel de Pennywise, em atuação insuperável. A segunda é a maravilhosa adaptação em duas partes dirigida por Andy Muschietti, cujo primeiro capitulo foi lançado em 2017. O segundo capítulo está em exibição nos cinemas, e com certeza, vou assistir.

Enfim, It, A Coisa é um livro excelente. Uma historia rica em detalhes, contada com maestria, cheia de momentos assustadores e inesquecíveis. Uma trama redonda, com toques de fantasia, drama e terror cósmico. Um livro brilhante. Maravilhoso. Um Clássico de Stephen King.

Altamente recomendado.


quarta-feira, 11 de setembro de 2019

O CICLO DO PAVOR (1966). Dir.: Mario Bava.


NOTA: 10



O CICLO DO PAVOR (1966)
Conforme mencionei na resenha de Seis Mulheres para o Assassino (1964), o diretor Mario Bava era um Mestre do cinema de horror. Dentre suas obras, CICLO DO PAVOR (1966) é uma das minhas favoritas.

Marco do Terror Gótico Italiano, é um filme maravilhoso. Uma historia de fantasmas com toques de conto de fadas, com os truques que somente Bava conseguia dar a suas obras.

Não é novidade nenhuma que Bava era um especialista em fazer grandes coisas com orçamentos e tempos apertados, e aqui, não é diferente. A produção foi marcada por dificuldades, e em determinado momento, o orçamento acabou, mas, mesmo assim, a equipe e o elenco concordaram em trabalhar de graça; mas, nada disso impediu o filme de ser uma obra maravilhosa.

Bava faz uso de técnicas espetaculares, técnicas essas que diretor nenhum consegue – nem conseguirá – copiar. Isso aconteceu graças à sua experiência como operador de câmera e diretor de fotografia nos anos 50, o que lhe rendeu muitos elogios. E claro, quando resolveu se aventurar na direção, levou suas técnicas consigo.

Bava estreou oficialmente na direção em 1960, com o excelente A Maldição do Demônio, e desde então, tem se dedicado ao terror gótico praticamente com exclusividade – o que não o impediu de se aventurar em outros gêneros, claro. E em O Ciclo do Pavor, Bava está em sua melhor forma.

O roteiro é simples, mas, torna-se pretexto para o diretor aplicar tudo o que desenvolveu nos anos anteriores. Impossível dizer qual o melhor momento, porque são muitos; mas, sem duvida, uma das melhores cenas é a do balanço no cemitério – mais sobre ela adiante. 

A fotografia é uma melhores coisas do filme, sem duvida. Com tons de laranja, azul e preto, ela enche a tela e chega a hipnotizar e a ser atraente. Sério. Dá um aspecto de nostalgia e interior ao filme, o que o enchem ainda mais de charme. E a transição de cores acontece naturalmente; se no inicio, durante o dia, o filme é banhado nos tons laranja e amarelos, durante a noite, o preto e o azul-escuro tomam conta, e não mudam o tom nostálgico do filme. Sem duvida, mesmo não sendo responsável pela direção de fotografia, Bava soube administrar os tons, e, sinceramente, não chegam a transformar o filme num arco-íris, mas deixam-no lindo.

O design do filme também contribui para deixa-lo lindo. O vilarejo parece parado no tempo, completamente envolto em teias de aranha; as portas das casas estão sempre fechadas; as paredes são forradas de alho, cruzes e velas – uma amostra do quão supersticiosos seus habitantes são – ; e principalmente, a Vila da Baronesa Graps não fica para trás. A decadência está presente em todas as paredes da casa, cuja pintura está caindo aos pedaços; os cômodos e moveis estão envoltos em enormes teias de aranha, e o muro da cripta da família está prestes a desmoronar. Parece que a qualquer minuto, a Vila vai desabar.

A trilha sonora, composta por Carlo Rustichelli, que já havia trabalhado com Bava no passado, é maravilhosa. Ao invés de ser uma trilha alta, que pula na tela, é quase uma melodia de conto de fadas, que casa perfeitamente com a atmosfera do filme.

Como mencionado acima, o filme tem varias cenas impressionantes; uma das melhores, sem duvida é o balanço. É uma cena perfeita, com Bava dando seus toques de mestre; os primeiros segundos mostram a câmera indo para frente e para trás, de maneira aleatória, sobrenatural, até. Não me lembro de ter visto uma cena tão artesanal e linda como essa, e com a paleta de cores, fica perfeita. A cena da escada também é muito boa, digna de provocar arrepios. Mas, uma das minhas favoritas, é quando o Dr. Eswai chega ao vilarejo: assim que sua carruagem para, ele vê, ao longe, um grupo de homens carregando um caixão. É uma cena em plano geral, sob o céu alaranjado, com as silhuetas dos homens andando; quando vi essa cena pela primeira vez, eu me apaixonei pelo filme, e toda vez que eu o vejo, volto a cena para conferir de novo. As cenas entre o Comissário Kruger e o protagonista também são as minhas favoritas. Bava soube filmá-las muito bem, sem uso de trilha sonora, o que as deixa mais sinistras. Outro exemplo da genialidade do diretor.

Os personagens do filme também merecem atenção. O Dr. Paul Eswai é o típico homem da Ciência, o médico que não acredita no sobrenatural nem nas superstições dos moradores do vilarejo, e mostra-se disposto a enfrentar a tal maldição para provar suas teorias. Seria o tipo de personagem que a gente torce para ser eliminado, mas, sinceramente, não é possível. Monica, a antiga moradora do vilarejo também é uma ótima personagem, o tipo de pessoa que, mesmo morando naquele lugar durante boa parte da vida, sente-se uma estranha quando retorna. Ela tem uma personalidade doce, mas não daquele tipo que exagera, sempre chorando por aí, fazendo gestos e caras e bocas; pelo contrario, ela é verdadeira em sua fragilidade. E a relação entre os dois funciona muito bem, e francamente, não seria surpresa se ambos se apaixonassem um pelo outro. Não atrapalharia em nada o andamento da trama.

Os demais personagens também são atraentes. Cada um à sua maneira, é envolvido pelo mistério que ronda o vilarejo, e mostram-se verdadeiramente aterrorizados pelas forças sobrenaturais. O burgomestre já não tem poder nenhum sobre o lugar; os habitantes acreditam apenas em suas próprias leis. Enfim, os típicos personagens supersticiosos de historias como essa. Uma menção especial para: Ruth, a bruxa do vilarejo. Dotada de poderes de cura, é a ela a quem os moradores recorrem quando algo ruim acontece, e eles confiam fielmente em suas habilidades. A Baronesa Graps é a própria imagem da decadência. Morando em sua Vila caindo aos pedaços, ela própria também está decaindo, com as roupas sujas, o cabelo embaraçado, despreocupada com sua aparência, uma completa reclusa. E por fim, Melissa, a menina morta. Vitima de um acidente que lhe custou a vida, ela é um melhores fantasmas do cinema de horror. Vestida de branco, com o rosto branco como papel e os cabelos loiros, é uma imagem assustadora. Ela é a responsável pelas mortes misteriosas no vilarejo, e os residentes têm até medo de pronunciar seu nome.

Todos esses aspectos fazem de O Ciclo do Pavor um dos melhores filmes de terror do cinema italiano. Sem duvida, é um daqueles filmes que ficam melhores a cada vez que vemos, e às vezes parece que uma coisa nova vai aparecer. É um dos filmes que eu mais gosto de assistir, e faço isso com prazer, de verdade. Mesmo tendo-o visto várias vezes, não me canso dele.

Com mais esse filme, Mario Bava provou que era um Maestro do Cinema de Horror Italiano, e o Rei do Horror Italiano.

Foi lançado em DVD por aqui pela Versátil Home Vídeo, na excelente coleção Obras-Primas do Terror Vol.2, com áudio original italiano.

Recentemente, foi lançado em Blu-ray, em versão restaurada, que na minha opinião, não faz jus ao filme, além de ser dublada em inglês. Na minha opinião, é muito melhor assistir ao filme com áudio original em italiano; assisti-lo com dublagem em inglês é muito estranho, parece outro filme. A versão disponível aqui no Brasil é a melhor disponível.

Enfim, O Ciclo do Pavor é um filme excelente. Um filme belíssimo. Uma história de horror com toques de conto de fadas. Um dos meus filmes favoritos do Maestro Mario Bava.




Créditos: Versátil Home Vídeo



segunda-feira, 9 de setembro de 2019

CANAL LFH.









O novo episódio do Canal LFH já está no ar, com resenha do filme Lobos, do diretor Michael Wadleigh.

Acesse e confira:





Para conferir as resenhas, acesse:
ou






Onde comprar o livro “O Vale dos Lobos”:
ou


Onde comprar o DVD de “Lobos”:



Agradecimentos:
GRUPO EDITORIAL SCORTECCI







segunda-feira, 2 de setembro de 2019

AMITYVILLE, A CIDADE DO HORROR (1979). Dir.: Stuart Rosenberg.


NOTA: 10




AMITYVILLE, A CIDADE DO HORROR
(1979)
AMITYVILLE, A CIDADE DO HORROR (1979) é um dos filmes mais assustadores que eu já vi. Um filme brilhante, muito bem feito, que até hoje, consegue assustar sem fazer esforço.

Antes de falar sobre o filme, vou deixar claro como me tornei fã da série. Acredito que meu primeiro contato foi com as fitas VHS que eu via na locadora, quando íamos lá para alugar filmes, no fim de semana. No começo, não dava muita importância, porém, gostava muito da capa de Amityville: Uma Questão de Hora, sexto filme da franquia, e uma porcaria sem tamanho. Se não estou enganado, a locadora também tinha o segundo, batizado de Terror em Amityville (1982) e o oitavo, A Casa Maldita. Em outra locadora, provavelmente, anos antes, vi de relance o VHS do terceiro filme, focando minha atenção principalmente na enorme garra que saía de dentro da casa. Mas, apesar desse pequeno contato, não tinha interesse nenhum em assistir, talvez por ter medo. Meu interesse pela série surgiu de fato quando aluguei, na mesma locadora que frequentávamos, o DVD de Amityville 2 e Amityville 3-D, lançados em edição lastimável de banca. Aluguei e coloquei no aparelho. O resultado foi uma experiência de horror, em especial, graças ao segundo filme. Por um longo tempo, passei a alugar o DVD, mais por causa do segundo filme, até que resolvi procurar pelo primeiro, sem sucesso. Até que, numa visita a um shopping, encontrei o DVD do primeiro filme, que comprei rapidamente. Quando eu, minha mãe e meu irmão nos juntamos para assistir, o resultado também foi uma experiência de horror. A cada cena, nós pulávamos de cama e nos assustávamos. No final, eu adorei o filme, e continuo adorando até hoje.

O filme é uma adaptação do livro The Amityville Horror, do escritor e jornalista Jay Anson, lançado dois anos antes, que por sua vez, foi baseado em uma historia real ocorrida em 1975, onde o casal George e Kathy Lutz, juntamente com seus filhos, mudou-se para a mansão de Amityville, onde permaneceu por 28 dias, antes de fugir. O livro é assustador, um dos mais assustadores que já li; e o filme, não fica atrás.

Dirigido por Stuart Rosenberg, famoso por sua colaboração com o ator Paul Newman, foi produzido por Samuel Z. Arkoff, da America International Pictures (A.I.P.), que nos anos 60, foi responsável pelo lançamento de vários filmes de Roger Corman, baseados em historias de Edgar Allan Poe.

Amityville é excelente. Muito bem feito, com roteiro simples, de verdade, mas que aposta mais no terror psicológico do que no terror “visível”, vamos dizer assim. Durante toda a narrativa, o diretor Rosenberg deixa muitas coisas na base da sugestão, principalmente quando envolve as presenças sobrenaturais que rondam a casa. O melhor é que funciona.

A ambientação também contribui. Apesar da mansão ser ampla, em certos momentos, uma sensação de claustrofobia e insegurança é transmitida para o espectador. Parece mesmo que a casa não é um local seguro para aquela família, e eles precisam sair dali o mais rápido possível.

Como deu pra perceber, o filme faz parte de dois subgêneros muito populares naquela época: o terror satanista e as casas mal-assombradas. Apesar de o primeiro não estar tão evidente, o segundo está presente desde o começo. Falo de ventos que surgem de repente, portas que abrem e fecham e janelas que se fecham sozinhas. Ou seja, tudo que se pode encontrar em uma historia de casa assombrada; só faltou a presença dos fantasmas, mas, francamente, não é necessário. O aspecto satanista da historia só é revelado mais adiante, quando George decide investigar o que está acontecendo, e encontra um livro sobre o assunto.

Como já mencionado, é o tipo de filme que consegue assustar sem fazer esforço e sem apelar para jump-scares. O susto vem de repente, muitas vezes, sem trilha sonora alta, que pula na tela, como se vê nos filmes de terror atuais. O diretor cria esses momentos aos poucos, graças a cenas aparentemente inofensivas, como establishing shots da casa, tanto de dia como de noite, e também cenas de diálogos, e então, solta o terror na tela, deixando o espectador sem ar. Na primeira vez que assisti esse filme, fiquei com essa sensação. Foram momentos de puro terror.

Outro fator que contribui para o terror é a trilha sonora, composta pelo argentino Lalo Schifrin, autor da trilha sonora de Missão Impossível. Segundo o próprio, a intensão era criar algo que fosse parecido com uma canção de ninar, composta por um coro feminino. A ideia deu certo, e, na minha opinião, o tema musical é um melhores do cinema de horror; inclusive, chegou a ser indicado ao Oscar® de Melhor Trilha Sonora em 1980. É uma prova de que um filme de terror não precisa de temas pesados para ser assustador. Schifrin seria também responsável pela trilha sonora da continuação, lançada três anos depois.

Além da trilha sonora, a fotografia também ajuda a construir a atmosfera. Se durante o dia, o filme é todo colorido, à noite, a paleta de cores muda completamente, assumindo tons de azul e preto, o que deixa o filme ainda mais assustador.

O roteiro, escrito por Sandor Stern é excelente. O autor fez praticamente uma adaptação fiel do livro de Anson, apenas alterando a época da historia: no livro acontece no inverno, aqui, acontece provavelmente no outono. Mas, francamente, não muda em nada a essência da historia. Stern fez um belo trabalho, mostrando praticamente todos os dias em que os Lutz permaneceram na casa, além de mostrar a relação entre George e Kathy, e como ela vai se deteriorando a medida que ele é afetado pelas forças sobrenaturais. E como mencionei, é quase tudo na base do terror psicológico.

O modo como George é afetado pelas forças sobrenaturais é muito bem feito. Conforme ele vai sendo afetado, sua personalidade vai mudando, bem como sua aparência. De padrasto e marido amoroso, ele torna-se obcecado em arrumar a lareira e passa a se descuidar, sempre aparecendo desarrumado, com as roupas suadas e o rosto pálido. Muito boa transformação. Mas não é apenas George que é afetado; Amy, a filha de Kathy passa a interagir com uma amiga imaginaria chamada Jody, que passa a influenciá-la de maneira negativa, como mostrado na cena do armário. Esse também é outro truque do roteiro que funciona bem. Jody não aparece durante o filme; sua presença é sugerida pela cadeirinha de balanço de Amy, que está sempre em movimento. As únicas vezes em que o diretor resolve mostra-la são bem rápidas, e uma delas nos assustou tanto, que minha mãe pediu para voltar e ver de novo. Realmente, uma cena brilhante, que acontece conforme descrevi acima.

Amityville é estrelado por James Brolin, Margot Kidder (1948-2018) e Rod Steiger (1925-2002). Margot Kidder, no ano anterior, havia estrelado Superman – O Filme, de Richard Donner, ao lado de Christopher Reeve. Já Rod Steiger havia levado o Oscar® de Melhor Ator por No Calor da Noite, onde atuou ao lado de Sidney Poitier. Não sei qual era a opinião do ator sobre Amityville, mas, a atriz Margot Kidder chegou a declarar que era o pior filme que fizera, porém, anos depois, voltou atrás em sua opinião. Os atores estão muito bem em seus papéis e passam as sensações que seus personagens estão sentindo de forma autentica. Os atores-mirins também estão bem, mas, em alguns momentos, não são tão agradáveis. No elenco, também tem a presença do ator Murray Hamilton (1923-1986), no papel de um dos padres.

O filme chegou a ser lançado em VHS, com a tag “Pelo amor de Deus, fugam!” estampada na capa, com o título de A Cidade do Horror. Também chegou a ser lançado em DVD pela MGM, desta vez com o título Terror em Amityville, o que é estranho, porque também o título que o segundo filme recebeu em VHS por aqui. Ambas as edições estão fora de catálogo; mas, recentemente, foi lançado novamente em DVD pela Obras-Primas do Cinema na coleção Trilogia Terror em Amityville, juntamente com suas duas continuações oficiais, todos em versões remasterizadas e com muitos extras.

Como também mencionado, o filme ganhou várias continuações, cuja a primeira foi lançada três anos depois; o terceiro filme foi lançado no ano seguinte. A partir do quarto filme, lançado em 1989, as continuações não tiveram nenhuma relação com a historia original, e principalmente, com a Mansão Amityville. Na verdade, era apenas uma estratégia de marketing bem sem-vergonha para veicular o nome Amityville à uma serie de filmes sobrenaturais. O único dessa leva que eu assisti foi o sexto filme, Amityville: Uma Questão de Hora, no SBT, e como disse, é uma porcaria sem tamanho. A única continuação que vale a pena, é o ótimo Amityville: O Despertar, lançado em 2017. Mais recentemente, uma prequel foi produzida, The Amityville Murders, que aparentemente, foca na família que viveu na casa antes da família Lutz.

Enfim, Amityville, A Cidade do Horror é um filme excelente. Um dos melhores filmes de terror de todos os tempos. Uma historia apavorante, que provoca arrepios sem fazer esforço.

Muito bem recomendado.







O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA – O RETORNO (1995). Dir.: Kim Henkel.

  NOTA: 1 Lembram-se do que eu disse no começo da resenha de A Hora do Pesadelo 6 , sobre filmes ruins? Para quem não se lembra, eu disse qu...