NOTA: 10
IT, A COISA |
IT, A COISA é um clássico
absoluto de Stephen King, o Mestre do Terror.
Um livro perfeito, escrito de maneira brilhante, rico em detalhes,
digno de apavorar qualquer um, sem fazer esforço, repleto de cenas memoráveis.
Escrito pelo autor durante os anos 80, o livro tornou-se um de seus
maiores sucessos e continua assim até hoje. Mas o que o torna um livro tão
perfeito?
A começar pela narrativa. Não há duvidas de que Stephen King é um
mestre na arte de escrever, e até agora, não encontrei nenhum livro – ou conto
– que me decepcionasse. E It é um
deles. Durante a leitura, King mostrou que estava em sua melhor forma, ao
contar uma historia tão detalhada e assustadora.
Como já devo ter mencionado, existem casos em que um livro pequeno, de
poucas paginas, como A Metamorfose,
por exemplo, contém muito mais historia do que um calhamaço de quase 2.000
páginas. Mas, existem exceções, e It é
uma delas. Sinceramente, não consigo imaginar esse livro com menos de 600
paginas, porque não faria sentido nenhum. King precisou, sim, estender a
narrativa até o total de 1.100 páginas, porque ele tinha muita, mas muita
historia para contar.
Conforme ele mesmo revela em um dos extras do primeiro capítulo da
nova adaptação, sua fonte de inspiração para criar a pequena cidade de Derry foi
o próprio estado do Maine, seu lar. Ele contou que buscou inspiração nas
historias que leu sobre a cidade de Bangor, os relatos de brigas de gangues,
por exemplo, que acabaram entrando no livro. Ele também pesquisou sobre seu
próprio passado, como quando ele e seu irmão brincavam no rio que havia na
cidade, e como isso também influenciou na criação do Barrens, e claro, inventou
suas próprias historias, juntou tudo e criou e cenário da historia.
E ele faz tudo com perfeição. Seu relato sobre Derry é fantástico, bem
como suas descrições da cidade. Em inúmeros momentos, eu consegui visualizar
aquela cidade, como seriam os prédios, as casas, as praças, a estatua do
lenhador, o cinema, enfim, tudo. É o tipo de coisa que costumo fazer quando
estou lendo um livro e me envolvo com a historia, independente do autor e do
gênero, e aqui, não foi diferente. E quando acontece uma coisa assim, é porque
eu adoro o que estou lendo. Inclusive, pessoalmente, eu acho muito mais fácil
criar uma cidade, seja ela de que tamanho for, do que utilizar um cenário real.
O autor tem mais liberdade para imaginar a estrutura do lugar, onde cada prédio
ficaria, como seria a rotina dos habitantes, enfim, tudo, sem se ater a
costumes antigos. Eu pessoalmente, gosto de imaginar assim; claro, não tenho
nada contra usar um cenário real numa historia, cada um é cada um.
E claro, It é um livro de
horror, e como tal, não faltam cenas de horror. Mas, qual a melhor delas? Olhe,
difícil dizer. Na primeira leitura, já tive impressão; agora, com a releitura,
a impressão continuou. Difícil escolher a melhor, porque são muitas. E com
certeza, essas cenas de horror já se tornaram antológicas.
O Clube dos Otários é sem duvida, uma das melhores coisas do livro. É
possível perceber, durante a leitura, que o livro é sobre eles. King descreve
cada um deles maravilhosamente, expondo suas vidas, seus medos, tristezas,
alegrias, dificuldades, enfim, tudo sobre eles. Difícil dizer qual é o melhor
deles, porque são todos adoráveis. Cada um tem a sua característica, o seu modo
de pensar, de agir, de ver o mundo, e principalmente, cada um tem o seu próprio
mundo. Eles têm problemas, sim, como todos nós; passam por dificuldades tanto
na juventude quanto na fase adulta; em algum ponto da vida, eles fracassaram em
seus objetivos, enfim, são seres humanos completos. E de verdade, é impossível
não vê-los juntos e não se apaixonar. De fato parece que a dinâmica entre eles
é bem real, com cada um agindo do seu jeito, mas sempre pensando naquela
temática do “Um por todos e todos por um”. Eles nunca estão sempre sozinhos,
quase sempre estão juntos os sete; eles têm o seu ponto de encontro no Barrens,
uma sede do clube embaixo da terra... O tipo de coisa que todos nós gostaríamos
de ter em algum momento da vida, pelo menos eu. E claro, eles passam por
perrengues, seja em casa, seja na escola. Ou seja, repetindo, são pessoas de
verdade. Na leitura, é possível perceber uma certa troca de papéis. Se na
infância, o grupo era liderado por Bill, na fase adulta, Mike, o único que ficou
em Derry, assume esse posto de liderança, mesmo que temporária. Interessante
essa troca.
Como os sete são os personagens principais, não é muito fácil
distinguir quem, de fato, é o protagonista da historia, porque é daquele tipo
onde todos os personagens conduzem, cada um do seu jeito. Não tem essa de “um
tem mais espaço que o outro”; todos eles têm o seu momento, e brilham nesse
momento, seja na juventude, seja na vida adulta.
Os outros personagens também são maravilhosos. Assim como os sete
membros do Clube, cada um ali descrito tem sua própria vida, cheia de
fracassos, alegrias, tristezas, enfim... Porém, é possível perceber que King dá
mais espaço para o valentão da escola, o adolescente Henry Bowers, e seu grupo.
King os descreve com a mesma paixão que descreve o Clube dos Otários,
principalmente Henry. Ele, sem duvida, o típico adolescente que mete medo em
todo mundo. O típico valentão da escola, que adora provocar os mais fracos e
meter medo neles. No entanto, existe algo a mais. Henry é sádico. Sempre armado
com seu canivete gigante, é evidente que ele não quer apenas machucar os
Otários; ele odeia a todos. Os outros membros do grupo de Henry também são
valentões, mas, nem todos são perversos; a única exceção é Patrick Hockstetter,
que consegue ser tão sádico, ou até, pior do que Henry. Eu acho que ele é pior.
King dedica um capitulo só para ele, e o que está escrito não é brincadeira.
Patrick é terrível, cruel, sem escrúpulos ou remorso. Esse foi um dos capítulos
mais arrepiantes do livro. E o destino dele também não fica atrás.
No entanto, na opinião de muitos, o que faz de It um livro assustador, não é o vilão, ou as cenas de horror. O que
assusta de verdade, são os assuntos que King aborda. Falo de racismo, violência
domestica, violência psicológica, abuso sexual, assedio, enfim, essas coisas
que existem na nossa sociedade e nos assustam todos os dias. Infelizmente, é
possível perceber que, mesmo tendo sido lançado há mais de 30 anos, o livro
continua atual nesse aspecto, porque a nossa sociedade não mudou nada em
relação a esses assuntos; pelo contrario, às vezes, nem sempre, são varridos
para debaixo do tapete. Não é sempre que
isso acontece, mas acaba acontecendo. Eu, pessoalmente, não gosto de noticias
envolvendo esses assuntos, na verdade, nem gosto de discutir nem de saber sobre
eles porque são muito tristes.
Outra coisa que King faz com maestria, é mostrar que, apesar da ameaça
da Coisa, a cidade de Derry também é envolta em sangue. Muito sangue. Nos
trechos batizados de “Interlúdios”, Mike conta em seu diário como foi a
historia da cidade, na tentativa de descobrir o motivo pelo qual a Coisa
retorna a cada 27 anos. E olha, que historia. Derry tem o sangue nas veias. Ao
longo dos séculos, a cidade testemunhou o pior de seus habitantes, com direito
a massacres em bares, crianças mortas em explosões, pais espancando filhos...
Acho que um dos mais violentos episódios foi o incêndio no clube Black Spot, um
clube para negros, ocorrido nos anos 30. Durante a leitura, eu consegui
visualizar aquela noite horrível, onde muitos homens perderam a vida. King não
faz cerimonia, e descreve a destruição nos mínimos detalhes. Sem duvida, um
episodio trágico, mesmo sendo fictício. O mesmo vale para outros episódios
trágicos descritos nos Interlúdios, mas, na minha opinião, o mais triste foi
esse.
E como mencionado acima, seria impossível descartar esse lado negro da
cidade, porque deixa a descrição mais rica, e também ajuda a entender por que a
Coisa se sente atraída pela cidade e seus habitantes.
E o que dizer a respeito de Pennywise, o Palhaço Dançarino? Pennywise.
É sem dúvida, o melhor personagem do livro. Com certeza, foi o responsável – ou
um dos responsáveis – por causar coulrophobia em muitas pessoas. Coulrophobia é
o termo dado para quem tem medo de palhaços. Não é difícil entender o motivo.
Apesar da fama de serem engraçados, palhaços são, em primeiro lugar,
assustadores. Quem consegue achar graça num ser humano com a cara branca,
sorriso enorme e um enorme nariz vermelho, com sapatos gigantes? Eu não. Na
verdade, eu não sofro de coulrophobia, mas não gosto de palhaços, nunca gostei.
Mas, Pennywise... Meu Deus. Ele consegue meter medo em todo mundo, sem esforço
nenhum. Desde que surge, no começo do livro, ele mostra que não é um palhaço
bonzinho, e isso segue até o final da historia. Na verdade, ao longo do livro,
King revela que o palhaço Pennywise é apenas uma das formas que a Coisa assume
para atrair as crianças, conforme explica em um trecho do livro. O monstro
assume inúmeras formas para assustar suas vitimas, incorporando seus piores
medos, mas é o Palhaço Pennywise que fica na nossa memória, tanto que é
impossível não associar o livro à figura do palhaço. Além de ser um dos maiores
vilões do universo de Stephen King, é também o mais complexo. A Coisa é uma
entidade mais antiga que o Universo, que veio à Terra para se alimentar de
crianças, a fim de obter força. E King descreve sua criatura de forma
impressionante, tão impressionante, que requer esforço da parte do leitor para
entender como ela funciona. Sério. Acho que nem as criaturas de H.P. Lovecraft
são tão complexas. Mas, pessoalmente, eu não encontrei dificuldade em assimilar
e entender a historia da Coisa. Na primeira leitura, eu consegui entender como
ela funciona e como ela assume e forma física na Terra e também como faz uso de
várias formas para assustar suas vitimas e atraí-las. No fundo, é possível
resumir a Coisa da seguinte maneira: é
uma entidade cósmica que se alimenta de crianças e assume várias formas com o
intuito de assustá-las; a forma do palhaço Pennywise é a forma que ela usa para
atrair as crianças. Não deve ser tão difícil, não é? E o método que King
encontrou para torna-la uma predadora perfeita é brilhante: somente as crianças
conseguem vê-la, os adultos, não. E por quê? Porque quando nós crescemos,
deixamos de acreditar em certas coisas, como fantasmas, monstros, fadas, essas
coisas. Portanto, fica mais fácil para a Coisa caçar e matar as crianças de
Derry, porque elas são muito mais vulneráveis.
Agora, sobre a minha sequencia favorita, vou dizer qual é. É um
capitulo que é narrado principalmente como se fossem noticiais de um jornal.
Claro que o que está sendo documentado não é bonito, mas, o que me atrai nesse
capitulo é o modo como é escrito. As noticiais ali descritas parecem reais, e
posso apostar que o jornal onde elas estão veiculadas, pode ser encontrado com
facilidade nas bancas.
Meu outro momento favorito é quando King traz uma convidada de seu
universo para a história, quando Henry já é adulto, e decide ir atrás dos
Otários. A cena é fantástica, assustadora e bem feita. Eu adorei na primeira
vez que li, e na releitura, adorei mais ainda. E o modo como ela entra na
historia faz tanto sentido, que, francamente, não poderia ser de outro jeito.
Mas não é apenas um membro de seu universo que o autor traz nesse
livro. Outro personagem, de um de seus livros mais famosos, também aparece em
determinado momento da historia, no trágico episodio do incêndio do Black Spot.
Tem gente que acha que é uma forma que o autor encontrou pra dizer que suas
historias estão conectadas. Eu pessoalmente, não vejo assim; eu acho que é
apenas uma brincadeira.
O livro é alucinante, não há duvida quanto a isso. Em certos momentos,
a leitura é frenética, como se fosse um filme de ação; acho que é porque tem
muitas cenas de ação. Mas são cenas muito bem escritas, e parece que
conseguimos visualizá-las conforme lemos o livro; pelo menos pra mim foi assim.
E esse ritmo frenético contribui para o andamento da historia, e não a deixa
chata em momento nenhum, pelo contrário, ela fica ainda mais emocionante. Mas
com certeza, os momentos mais frenéticos ficam para o final, quando os Otários
vão enfrentar a Coisa novamente.
Esse é o momento em que a história dá uma guinada de cair o queixo.
Porque, acredito que até aquele momento, a impressão que se tem a respeito do
palhaço Pennywise, é que talvez ele seja um tipo de fantasma ou demônio do
inferno, não sei. Mas, quando King finalmente conta quem e o que ele é de fato,
a coisa muda de figura. Como já mencionei, eu acho, sem duvida, essa ideia de
fazer do palhaço uma entidade cósmica, genial. Fora as criaturas de H.P.
Lovecraft, não me lembro de ler nenhum outro livro de terror sobre entidades
cósmicas. No entanto, apesar do brilhantismo de King, Lovecraft ainda carrega a
coroa de rei do terror cósmico. Eu acredito que King transformou seu monstro em
entidade cósmica, como uma homenagem à Lovecraft, de quem é admirador confesso.
E, se parar pra pensar, existem alguns elementos lovecraftianos na concepção de
Pennywise e da Tartaruga, sua rival cósmica.
Claro, como toda historia de monstro, não poderia deixar de existir o
lado do Bem, e a Tartaruga é esse lado. Apesar de aparecer pouco, ela tem uma
presença forte na historia, e é bem legal o modo como King a desenvolveu. Não
fica difícil imaginar uma tartaruga velhinha, toda enrugada, de bengala até,
falando com Bill no vácuo, quando eles vão enfrentar a Coisa pela primeira vez.
Parece mesmo que a Tartaruga está velha, com o peso do universo sobre o casco.
Bem legal.
Os confrontos dos Otários com a Coisa são de cair o queixo. Assim como
as cenas de ação, também são momentos frenéticos, mas nem por isso, menos
brilhantes. São cenas assustadoras, onde a Coisa mostra todo o seu poder,
assumindo diversas formas, arrastando os Otários para o vácuo, com o objetivo
de enfraquece-los, e não poupando nenhum deles. Mas o melhor fica para o final
do livro, quando eles enfrentam a Coisa pela última vez. Ali, King mostra quem
de fato é a Coisa e qual a forma que ela assuma na Terra. São momentos
delirantes. King descreve tudo com maestria, e novamente, não fica difícil
visualizar tudo aquilo, principalmente a Coisa em sua forma final.
Talvez um dos aspectos mais conhecidos do livro, é o fato de que,
quando estava escrevendo, King estava sob efeito de cocaína, infelizmente.
Infelizmente, porque, nessa época, o autor era viciado em drogas e em álcool, o
que tornou-se um dos piores momentos de sua vida. Com certeza, esse fato gerou
a cena mais comentada do livro, a famosa “cena da orgia” entre os Otários no
esgoto. Muita gente, mas muita gente, não entendeu o motivo dessa cena estar no
livro, nem a sua relevância para a historia, mas, do meu ponto de vista, existe
uma explicação. Momentos antes da tal cena, as crianças estão presas no esgoto,
que assim como a cidade, estava sofrendo os efeitos de uma tempestade. Estavam
desesperados, achando que nunca mais iriam sair de lá, o que levou Beverly a
sugerir que os meninos fizessem sexo com ela; como ela mesma explica no
diálogo, foi uma forma deles se unirem para sempre, pois acharam que nunca
sairiam do esgoto com vida. Viram como é fácil? Só olhar nas entrelinhas.
Eu poderia falar mais sobre o livro, mas, não quero entregar spoilers.
O fato é que It, A Coisa é
um Clássico de Stephen King.
Como a maioria de suas obras, acabou sendo adaptado. No
caso, foi adaptado duas vezes. A primeira foi a clássica e inesquecível – e
ainda insuperável – minissérie de 1990, dirigida por Tommy Lee Wallace, com Tim
Curry no papel de Pennywise, em atuação insuperável. A segunda é a maravilhosa
adaptação em duas partes dirigida por Andy Muschietti, cujo primeiro capitulo
foi lançado em 2017. O segundo capítulo está em exibição nos cinemas, e com
certeza, vou assistir.
Enfim, It, A Coisa é um
livro excelente. Uma historia rica em detalhes, contada com maestria, cheia de
momentos assustadores e inesquecíveis. Uma trama redonda, com toques de
fantasia, drama e terror cósmico. Um livro brilhante. Maravilhoso. Um Clássico
de Stephen King.
Altamente recomendado.
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