sexta-feira, 13 de setembro de 2019

IT, A COISA (Stephen King).


NOTA: 10




IT, A COISA
IT, A COISA é um clássico absoluto de Stephen King, o Mestre do Terror.

Um livro perfeito, escrito de maneira brilhante, rico em detalhes, digno de apavorar qualquer um, sem fazer esforço, repleto de cenas memoráveis.

Escrito pelo autor durante os anos 80, o livro tornou-se um de seus maiores sucessos e continua assim até hoje. Mas o que o torna um livro tão perfeito?

A começar pela narrativa. Não há duvidas de que Stephen King é um mestre na arte de escrever, e até agora, não encontrei nenhum livro – ou conto – que me decepcionasse. E It é um deles. Durante a leitura, King mostrou que estava em sua melhor forma, ao contar uma historia tão detalhada e assustadora.

Como já devo ter mencionado, existem casos em que um livro pequeno, de poucas paginas, como A Metamorfose, por exemplo, contém muito mais historia do que um calhamaço de quase 2.000 páginas. Mas, existem exceções, e It é uma delas. Sinceramente, não consigo imaginar esse livro com menos de 600 paginas, porque não faria sentido nenhum. King precisou, sim, estender a narrativa até o total de 1.100 páginas, porque ele tinha muita, mas muita historia para contar.

Conforme ele mesmo revela em um dos extras do primeiro capítulo da nova adaptação, sua fonte de inspiração para criar a pequena cidade de Derry foi o próprio estado do Maine, seu lar. Ele contou que buscou inspiração nas historias que leu sobre a cidade de Bangor, os relatos de brigas de gangues, por exemplo, que acabaram entrando no livro. Ele também pesquisou sobre seu próprio passado, como quando ele e seu irmão brincavam no rio que havia na cidade, e como isso também influenciou na criação do Barrens, e claro, inventou suas próprias historias, juntou tudo e criou e cenário da historia.

E ele faz tudo com perfeição. Seu relato sobre Derry é fantástico, bem como suas descrições da cidade. Em inúmeros momentos, eu consegui visualizar aquela cidade, como seriam os prédios, as casas, as praças, a estatua do lenhador, o cinema, enfim, tudo. É o tipo de coisa que costumo fazer quando estou lendo um livro e me envolvo com a historia, independente do autor e do gênero, e aqui, não foi diferente. E quando acontece uma coisa assim, é porque eu adoro o que estou lendo. Inclusive, pessoalmente, eu acho muito mais fácil criar uma cidade, seja ela de que tamanho for, do que utilizar um cenário real. O autor tem mais liberdade para imaginar a estrutura do lugar, onde cada prédio ficaria, como seria a rotina dos habitantes, enfim, tudo, sem se ater a costumes antigos. Eu pessoalmente, gosto de imaginar assim; claro, não tenho nada contra usar um cenário real numa historia, cada um é cada um.

E claro, It é um livro de horror, e como tal, não faltam cenas de horror. Mas, qual a melhor delas? Olhe, difícil dizer. Na primeira leitura, já tive impressão; agora, com a releitura, a impressão continuou. Difícil escolher a melhor, porque são muitas. E com certeza, essas cenas de horror já se tornaram antológicas.

O Clube dos Otários é sem duvida, uma das melhores coisas do livro. É possível perceber, durante a leitura, que o livro é sobre eles. King descreve cada um deles maravilhosamente, expondo suas vidas, seus medos, tristezas, alegrias, dificuldades, enfim, tudo sobre eles. Difícil dizer qual é o melhor deles, porque são todos adoráveis. Cada um tem a sua característica, o seu modo de pensar, de agir, de ver o mundo, e principalmente, cada um tem o seu próprio mundo. Eles têm problemas, sim, como todos nós; passam por dificuldades tanto na juventude quanto na fase adulta; em algum ponto da vida, eles fracassaram em seus objetivos, enfim, são seres humanos completos. E de verdade, é impossível não vê-los juntos e não se apaixonar. De fato parece que a dinâmica entre eles é bem real, com cada um agindo do seu jeito, mas sempre pensando naquela temática do “Um por todos e todos por um”. Eles nunca estão sempre sozinhos, quase sempre estão juntos os sete; eles têm o seu ponto de encontro no Barrens, uma sede do clube embaixo da terra... O tipo de coisa que todos nós gostaríamos de ter em algum momento da vida, pelo menos eu. E claro, eles passam por perrengues, seja em casa, seja na escola. Ou seja, repetindo, são pessoas de verdade. Na leitura, é possível perceber uma certa troca de papéis. Se na infância, o grupo era liderado por Bill, na fase adulta, Mike, o único que ficou em Derry, assume esse posto de liderança, mesmo que temporária. Interessante essa troca.

Como os sete são os personagens principais, não é muito fácil distinguir quem, de fato, é o protagonista da historia, porque é daquele tipo onde todos os personagens conduzem, cada um do seu jeito. Não tem essa de “um tem mais espaço que o outro”; todos eles têm o seu momento, e brilham nesse momento, seja na juventude, seja na vida adulta.

Os outros personagens também são maravilhosos. Assim como os sete membros do Clube, cada um ali descrito tem sua própria vida, cheia de fracassos, alegrias, tristezas, enfim... Porém, é possível perceber que King dá mais espaço para o valentão da escola, o adolescente Henry Bowers, e seu grupo. King os descreve com a mesma paixão que descreve o Clube dos Otários, principalmente Henry. Ele, sem duvida, o típico adolescente que mete medo em todo mundo. O típico valentão da escola, que adora provocar os mais fracos e meter medo neles. No entanto, existe algo a mais. Henry é sádico. Sempre armado com seu canivete gigante, é evidente que ele não quer apenas machucar os Otários; ele odeia a todos. Os outros membros do grupo de Henry também são valentões, mas, nem todos são perversos; a única exceção é Patrick Hockstetter, que consegue ser tão sádico, ou até, pior do que Henry. Eu acho que ele é pior. King dedica um capitulo só para ele, e o que está escrito não é brincadeira. Patrick é terrível, cruel, sem escrúpulos ou remorso. Esse foi um dos capítulos mais arrepiantes do livro. E o destino dele também não fica atrás.

No entanto, na opinião de muitos, o que faz de It um livro assustador, não é o vilão, ou as cenas de horror. O que assusta de verdade, são os assuntos que King aborda. Falo de racismo, violência domestica, violência psicológica, abuso sexual, assedio, enfim, essas coisas que existem na nossa sociedade e nos assustam todos os dias. Infelizmente, é possível perceber que, mesmo tendo sido lançado há mais de 30 anos, o livro continua atual nesse aspecto, porque a nossa sociedade não mudou nada em relação a esses assuntos; pelo contrario, às vezes, nem sempre, são varridos para debaixo do tapete. Não é sempre que isso acontece, mas acaba acontecendo. Eu, pessoalmente, não gosto de noticias envolvendo esses assuntos, na verdade, nem gosto de discutir nem de saber sobre eles porque são muito tristes.

Outra coisa que King faz com maestria, é mostrar que, apesar da ameaça da Coisa, a cidade de Derry também é envolta em sangue. Muito sangue. Nos trechos batizados de “Interlúdios”, Mike conta em seu diário como foi a historia da cidade, na tentativa de descobrir o motivo pelo qual a Coisa retorna a cada 27 anos. E olha, que historia. Derry tem o sangue nas veias. Ao longo dos séculos, a cidade testemunhou o pior de seus habitantes, com direito a massacres em bares, crianças mortas em explosões, pais espancando filhos... Acho que um dos mais violentos episódios foi o incêndio no clube Black Spot, um clube para negros, ocorrido nos anos 30. Durante a leitura, eu consegui visualizar aquela noite horrível, onde muitos homens perderam a vida. King não faz cerimonia, e descreve a destruição nos mínimos detalhes. Sem duvida, um episodio trágico, mesmo sendo fictício. O mesmo vale para outros episódios trágicos descritos nos Interlúdios, mas, na minha opinião, o mais triste foi esse.

E como mencionado acima, seria impossível descartar esse lado negro da cidade, porque deixa a descrição mais rica, e também ajuda a entender por que a Coisa se sente atraída pela cidade e seus habitantes.

E o que dizer a respeito de Pennywise, o Palhaço Dançarino? Pennywise. É sem dúvida, o melhor personagem do livro. Com certeza, foi o responsável – ou um dos responsáveis – por causar coulrophobia em muitas pessoas. Coulrophobia é o termo dado para quem tem medo de palhaços. Não é difícil entender o motivo. Apesar da fama de serem engraçados, palhaços são, em primeiro lugar, assustadores. Quem consegue achar graça num ser humano com a cara branca, sorriso enorme e um enorme nariz vermelho, com sapatos gigantes? Eu não. Na verdade, eu não sofro de coulrophobia, mas não gosto de palhaços, nunca gostei. Mas, Pennywise... Meu Deus. Ele consegue meter medo em todo mundo, sem esforço nenhum. Desde que surge, no começo do livro, ele mostra que não é um palhaço bonzinho, e isso segue até o final da historia. Na verdade, ao longo do livro, King revela que o palhaço Pennywise é apenas uma das formas que a Coisa assume para atrair as crianças, conforme explica em um trecho do livro. O monstro assume inúmeras formas para assustar suas vitimas, incorporando seus piores medos, mas é o Palhaço Pennywise que fica na nossa memória, tanto que é impossível não associar o livro à figura do palhaço. Além de ser um dos maiores vilões do universo de Stephen King, é também o mais complexo. A Coisa é uma entidade mais antiga que o Universo, que veio à Terra para se alimentar de crianças, a fim de obter força. E King descreve sua criatura de forma impressionante, tão impressionante, que requer esforço da parte do leitor para entender como ela funciona. Sério. Acho que nem as criaturas de H.P. Lovecraft são tão complexas. Mas, pessoalmente, eu não encontrei dificuldade em assimilar e entender a historia da Coisa. Na primeira leitura, eu consegui entender como ela funciona e como ela assume e forma física na Terra e também como faz uso de várias formas para assustar suas vitimas e atraí-las. No fundo, é possível resumir a Coisa da seguinte maneira: é uma entidade cósmica que se alimenta de crianças e assume várias formas com o intuito de assustá-las; a forma do palhaço Pennywise é a forma que ela usa para atrair as crianças. Não deve ser tão difícil, não é? E o método que King encontrou para torna-la uma predadora perfeita é brilhante: somente as crianças conseguem vê-la, os adultos, não. E por quê? Porque quando nós crescemos, deixamos de acreditar em certas coisas, como fantasmas, monstros, fadas, essas coisas. Portanto, fica mais fácil para a Coisa caçar e matar as crianças de Derry, porque elas são muito mais vulneráveis.

Agora, sobre a minha sequencia favorita, vou dizer qual é. É um capitulo que é narrado principalmente como se fossem noticiais de um jornal. Claro que o que está sendo documentado não é bonito, mas, o que me atrai nesse capitulo é o modo como é escrito. As noticiais ali descritas parecem reais, e posso apostar que o jornal onde elas estão veiculadas, pode ser encontrado com facilidade nas bancas.

Meu outro momento favorito é quando King traz uma convidada de seu universo para a história, quando Henry já é adulto, e decide ir atrás dos Otários. A cena é fantástica, assustadora e bem feita. Eu adorei na primeira vez que li, e na releitura, adorei mais ainda. E o modo como ela entra na historia faz tanto sentido, que, francamente, não poderia ser de outro jeito.

Mas não é apenas um membro de seu universo que o autor traz nesse livro. Outro personagem, de um de seus livros mais famosos, também aparece em determinado momento da historia, no trágico episodio do incêndio do Black Spot. Tem gente que acha que é uma forma que o autor encontrou pra dizer que suas historias estão conectadas. Eu pessoalmente, não vejo assim; eu acho que é apenas uma brincadeira.

O livro é alucinante, não há duvida quanto a isso. Em certos momentos, a leitura é frenética, como se fosse um filme de ação; acho que é porque tem muitas cenas de ação. Mas são cenas muito bem escritas, e parece que conseguimos visualizá-las conforme lemos o livro; pelo menos pra mim foi assim. E esse ritmo frenético contribui para o andamento da historia, e não a deixa chata em momento nenhum, pelo contrário, ela fica ainda mais emocionante. Mas com certeza, os momentos mais frenéticos ficam para o final, quando os Otários vão enfrentar a Coisa novamente.

Esse é o momento em que a história dá uma guinada de cair o queixo. Porque, acredito que até aquele momento, a impressão que se tem a respeito do palhaço Pennywise, é que talvez ele seja um tipo de fantasma ou demônio do inferno, não sei. Mas, quando King finalmente conta quem e o que ele é de fato, a coisa muda de figura. Como já mencionei, eu acho, sem duvida, essa ideia de fazer do palhaço uma entidade cósmica, genial. Fora as criaturas de H.P. Lovecraft, não me lembro de ler nenhum outro livro de terror sobre entidades cósmicas. No entanto, apesar do brilhantismo de King, Lovecraft ainda carrega a coroa de rei do terror cósmico. Eu acredito que King transformou seu monstro em entidade cósmica, como uma homenagem à Lovecraft, de quem é admirador confesso. E, se parar pra pensar, existem alguns elementos lovecraftianos na concepção de Pennywise e da Tartaruga, sua rival cósmica.

Claro, como toda historia de monstro, não poderia deixar de existir o lado do Bem, e a Tartaruga é esse lado. Apesar de aparecer pouco, ela tem uma presença forte na historia, e é bem legal o modo como King a desenvolveu. Não fica difícil imaginar uma tartaruga velhinha, toda enrugada, de bengala até, falando com Bill no vácuo, quando eles vão enfrentar a Coisa pela primeira vez. Parece mesmo que a Tartaruga está velha, com o peso do universo sobre o casco. Bem legal.

Os confrontos dos Otários com a Coisa são de cair o queixo. Assim como as cenas de ação, também são momentos frenéticos, mas nem por isso, menos brilhantes. São cenas assustadoras, onde a Coisa mostra todo o seu poder, assumindo diversas formas, arrastando os Otários para o vácuo, com o objetivo de enfraquece-los, e não poupando nenhum deles. Mas o melhor fica para o final do livro, quando eles enfrentam a Coisa pela última vez. Ali, King mostra quem de fato é a Coisa e qual a forma que ela assuma na Terra. São momentos delirantes. King descreve tudo com maestria, e novamente, não fica difícil visualizar tudo aquilo, principalmente a Coisa em sua forma final.

Talvez um dos aspectos mais conhecidos do livro, é o fato de que, quando estava escrevendo, King estava sob efeito de cocaína, infelizmente. Infelizmente, porque, nessa época, o autor era viciado em drogas e em álcool, o que tornou-se um dos piores momentos de sua vida. Com certeza, esse fato gerou a cena mais comentada do livro, a famosa “cena da orgia” entre os Otários no esgoto. Muita gente, mas muita gente, não entendeu o motivo dessa cena estar no livro, nem a sua relevância para a historia, mas, do meu ponto de vista, existe uma explicação. Momentos antes da tal cena, as crianças estão presas no esgoto, que assim como a cidade, estava sofrendo os efeitos de uma tempestade. Estavam desesperados, achando que nunca mais iriam sair de lá, o que levou Beverly a sugerir que os meninos fizessem sexo com ela; como ela mesma explica no diálogo, foi uma forma deles se unirem para sempre, pois acharam que nunca sairiam do esgoto com vida. Viram como é fácil? Só olhar nas entrelinhas.

Eu poderia falar mais sobre o livro, mas, não quero entregar spoilers.

O fato é que It, A Coisa é um Clássico de Stephen King.

Como a maioria de suas obras, acabou sendo adaptado. No caso, foi adaptado duas vezes. A primeira foi a clássica e inesquecível – e ainda insuperável – minissérie de 1990, dirigida por Tommy Lee Wallace, com Tim Curry no papel de Pennywise, em atuação insuperável. A segunda é a maravilhosa adaptação em duas partes dirigida por Andy Muschietti, cujo primeiro capitulo foi lançado em 2017. O segundo capítulo está em exibição nos cinemas, e com certeza, vou assistir.

Enfim, It, A Coisa é um livro excelente. Uma historia rica em detalhes, contada com maestria, cheia de momentos assustadores e inesquecíveis. Uma trama redonda, com toques de fantasia, drama e terror cósmico. Um livro brilhante. Maravilhoso. Um Clássico de Stephen King.

Altamente recomendado.


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