NOTA: 9.5
Lucio Fulci foi um dos mestres do terror italiano.
Desde que resolveu se aventurar no gênero, tornou-se especialista em produções
repletas de sangue e gore. No entanto, antes de se aventurar em produções gore,
Fulci se aventurou no Giallo, e nos deu grandes exemplares do gênero, como por
exemplo, Premonição (1977), Uma Sobre a Outra (1968), Uma
Lagartixa num Corpo de Mulher (1971).
O SEGREDO DO
BOSQUE DOS SONHOS é outro Giallo do diretor. Lançado em 1972, marca a
segunda parceria de Fulci com a atriz brasileira Florinda Bolkan, após a
colaboração em Uma Lagartixa. O Bosque dos Sonhos é um dos melhores Gialli de
Fulci e também o mais polêmico, o que levou a ser excomungado da igreja católica.
Polêmicas à parte, o filme é um dos melhores
exemplares do gênero, e um dos meus favoritos. O longa apresenta um dos temas
mais pesados do gênero: o assassinato de crianças.
Não é segredo para ninguém que a morte de crianças é
um dos maiores tabus do cinema, e aqui, Fulci faz uso desse tabu sem o menor
pudor, com cenas de assassinatos cruéis. Tudo bem, o número de vítimas do
assassino não é muito grande, mas mesmo assim, somos brindados com momentos de tensão
que parecem piorar a cada revisão.
Aqui como em seus outros Gialli, aqui, Fulci não faz
uso do assassino tradicional, com luvas pretas, mas mesmo assim, essa é uma
grande variação do gênero. Como eu disse, eu aprecio algumas variações do Giallo,
mas ainda prefiro o Giallo clássico. Mas mesmo assim, esse filme consegue ser
muito agradável.
O principal detalhe é a ambientação. Ao contrário dos
demais, O Bosque dos Sonhos é
ambientado no interior da Itália, e Fulci soube capturar excelentes tomadas do
interior, dando um ar convidativo para o filme. Devo dizer que essa ambientação
é um dos meus fatores favoritos sobre o filme, e me passa uma ótima sensação. E
além da ambientação de interior, temos também ótimos personagens, que passam a sensação
de serem realmente pessoas simples do campo. E em relação a isso, Fulci também não
teve o menor pudor em mostrar as pessoas como realmente são, então, temos aqui
personagens malcuidados, com as roupas e os rostos sujos de terra e suor; além de
figurantes idosos desdentados. Tudo isso aumenta ainda mais o realismo e deixa
as cenas de tensão ainda melhores.
Sobre isso, digo o seguinte: temos aqui cenas dignas
de programas sensacionalistas da TV, com o povo se juntando na porta da
delegacia para exigir a captura do assassino, ou para linchá-lo em público. E claro,
a coisa fica pior com a chegada de vários repórteres, dispostos a tudo para
conseguir uma exclusiva. Em resumo, temos um verdadeiro circo midiático e
popular. É possível notar que as pessoas daquele vilarejo querem um culpado a
qualquer custo, e estão dispostos até a fazer justiça com as próprias mãos,
conforme visto na cena do cemitério. Todos esses detalhes aumentam ainda mais o
teor chocante do filme e o deixam ainda mais perturbador.
E não para por aí. Além da questão do assassino de
crianças, temos também uma forte questão sexual, que fica ainda mais
perturbadora porque envolve as crianças, principalmente os meninos. Logo no
inicio do filme, Fulci nos presenteia com uma cena de nudez da atriz Barbara Bouchet
– uma das musas do gênero – cuja personagem possui um forte apelo sexual e também
um ar de mistério, que contribui para torna-la suspeita dos crimes. Patrizia,
sua personagem, não demonstra pudor ao tentar seduzir um garoto que trabalha
para ela, utilizando palavras de cunho sexual explicito. Realmente, uma cena
que não seria realizada nos dias de hoje. Na verdade, eu tenho certeza que o
filme não seria realizado nos dias de hoje, principalmente por causa de questões
politicamente corretas, devo dizer, há muita coisa errada nesse filme, além dos
assassinatos das crianças. Claro, Fulci não as exibe na tela, mas deixa a critério
do espectador. Eu mesmo tenho algumas teorias perturbadoras envolvendo o
personagem do padre.
Como mencionado acima, O Bosque dos Sonhos marcou a segunda colaboração de Fulci com a
atriz brasileira Florinda Bolkan. Aqui, ela interpreta a Bruxa do vilarejo, uma
mulher que vive sozinha no bosque a pratica feitiços com bonecos de cera. Logo de
cara, Fulci faz questão de mostra-la como uma das suspeitas dos crimes, uma vez
que ela é vista na cena de um dos crimes. Além disso, ela é mal vista pela população,
que tem o habito de cuspir no chão sempre que a vê. E quando a polícia consegue
captura-la, a coisa não muda de figura. A população se revolta com toda sua
força e se mostra ainda mais hostil. E temos a cena do cemitério, talvez a cena
mais cruel e violenta do filme, onde ela é açoitada com correntes, tudo ao som
de Ornella Vanoni. A atriz entrega uma ótima atuação aqui.
Essa cena e a cena final mostram que Fulci sabia
lidar com o gore ainda em seus primeiros filmes de terror, e o diretor não poupa
ninguém. A cena do cemitério é a mais violenta do filme todo, graças à atuação e
aos efeitos especiais de maquiagem, que lembram a cena de abertura de Terror nas Trevas (1981), que também contou
com a presença de correntes.
E em certo ponto do filme, Fulci faz questão de
mostrar um boneco do Pato Donald, fazendo alusão ao título do filme. E a revelação
do assassino, bem como seu motivo para os crimes, são tão pesados que levaram o
diretor a ser excomungado pela Igreja Católica; uma prova de que o diretor não tinha
o menor medo de mostrar questões pesadas na tela.
Bom, seja como for, O Segredo do Bosque dos Sonhos é um dos melhores filmes de Lucio Fulci
e um dos melhores exemplares do Giallo.
Foi lançado em DVD no Brasil pela Versátil Home Vídeo
na coleção Giallo, em versão restaurada
com áudio italiano.
Enfim, O Segredo do Bosque dos Sonhos é um filme perturbador. Um Giallo com clima de interior que enche a tela. A direção de Lucio Fulci é um dos destaques, e o diretor consegue criar cenas de tensão que deixam o espectador nervoso, além de focar em assuntos proibidos sem o menor pudor. Uma história pesada, cheia de momentos revoltantes, e de suspense. Um filme excelente. Altamente recomendado.
Créditos: Versátil Home Vídeo |
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