NOTA: 10
LISA E O DIABO
é um filme belíssimo.
Uma história de horror, fantasia e mistério contada
com a maestria do Maestro Mario Bava, e um de seus melhores filmes.
Eu já comentei sobre alguns filmes do Maestro aqui, e
até agora, não encontrei nenhum que me decepcionasse.
Lisa e o Diabo
faz parte do ciclo gótico do cineasta, ciclo esse que o tornou bastante
conhecido, visto que ele foi um dos responsáveis por torna-lo popular na Itália,
graças ao sucesso que O Vampiro da Noite
(1957) fez no país.
Podemos também encarar o filme como uma espécie de
homenagem que Bava faz a si mesmo, visto que existem cenas que lembram seus
filmes anteriores, além do uso de suas técnicas bastante conhecidas.
Na trama, Lisa é uma turista que se perde em Toledo,
na Espanha, e vaga pelas ruas da cidade, até se encontrar com um casal rico, e
o carro deles quebra nas proximidades de uma antiga mansão, onde moram uma
condessa e seu filho, além de um estranho mordomo que intriga Lisa, por se
parecer com o Diabo.
Essa é a sinopse básica do filme, e pode até parecer
simples, mas, na verdade, o roteiro envolve alguns outros elementos, como
segredos de família e triângulos amorosos, que necessitam de um pouco de raciocínio
do espectador para serem compreendidos.
Esse é um detalhe da trama que precisa ser analisado
com muita calma, pois, não é explicado para nós logo de cara, ele acontece aos
poucos. E a cada revisão, o mistério parece aumentar, o que pede ainda mais raciocínio
de quem está assistindo.
Mas não se engane. Apesar dessa trama um pouco
complicada, Lisa e o Diabo é um
filme belíssimo, feito com as técnicas que somente o diretor Bava conhecia e
sabia utilizar.
A começar pela direção. Bava era um mestre com a
câmera, e sabia fazer coisas que nenhum outro cineasta soube. Aqui, mais uma
vez, ele mostra sua competência e cria cenas memoráveis, com ângulos inspirados,
além de uma movimentação suave, combinada a uma fotografia habilidosa.
Além da fotografia, o roteiro também merece menção,
porque, conforme mencionei, é um grande quebra-cabeça, onde as peças vão se
encaixando lentamente, com um mistério em torno dos três habitantes da mansão,
que aos poucos vai mostrando sua face e seu motivo.
Os cenários também são maravilhosos, principalmente a
mansão, que parece um gigantesco labirinto, com seus quartos vazios, um jardim
enorme e aspecto de decadência, algo que Bava adorava utilizar em seus filmes. Como
o filme se passa praticamente durante a noite, não é difícil nos sentirmos
ameaçados dentro daquele ambiente, principalmente o quarto do mordomo Leandro,
cheio de manequins.
Os personagens também são um ponto positivo, e os
atores atuam maravilhosamente. É possível acreditar que aquelas pessoas são reais,
que vivem naquela mansão decadente, presos em seu próprio mundo repleto de
segredos macabros. Lisa é a mocinha indefesa, que não entende o que está
acontecendo, nem como foi parar naquele mundo estranho, e acredita o tempo todo
que tudo não se trata de um sonho. O casal rico também não faz feio, e passam a
sensação de já estarem casados há muito tempo, e se cansaram um do outro, tanto
que a mulher procura conforto nos braços do chofer.
Mas o melhor personagem é o mordomo Leandro,
magistralmente interpretado por Telly Savalas. Ele é diabolicamente educado,
misterioso e perigoso, e deixa transparecer essas sensações desde a primeira aparição,
até o final do filme. Seu melhor momento é quando está em seu quarto recitando
um monólogo sobre trabalho e tradição, enquanto come suspiros e bebe conhaque. Além
disso, ele se mostra um grande fabricante de manequins, que desempenham um
papel importante na história, pois representam os personagens principais.
O filme todo possui um aspecto de sonho e fantasia, e
isso está presente desde a primeira cena, quando Lisa ouve a caixa de música ao
longe e aparenta ser enfeitiçada por ela, visto que acaba se perdendo de seu
grupo de excursão. E a sensação predomina até o final do filme, com eventos
estranhos e misteriosos acontecendo, como o fato de Lisa se parecer com a amante
do padrasto de Maximiliano, o que a deixa completamente confusa.
Esse é o grande segredo da trama. Lisa aparenta se
dividir entre ela mesma, e Ellena, amante do padrasto de Maximiliano, que
também se encanta por ela, e a mata. Como eu disse, é um mistério que vai se
resolvendo aos poucos, o que obriga o espectador a pensar no que está
acontecendo.
Acredito que tal sensação de estranheza se deve ao
fato do produtor Alfredo Leone, após o sucesso do filme anterior de Bava, Os Horrores no Castelo de Nuremberg (1972),
ter dado carta branca ao cineasta para fazer o filme que quisesse; então, chamou
dois roteiristas que haviam trabalhado com ele anteriormente, e os dois
desenvolveram a história a partir das ideias do diretor.
Tal mistério não impede o filme de ser uma verdadeira
obra de arte, onde Bava aparentemente faz um resumo de sua vida, segundo dizem
os biógrafos do cineasta. De fato, existem conexões com outros filmes
anteriores do diretor, seja em takes e cenas, seja na própria história. Menções
à A Maldição do Demônio (1960), O Ciclo do Pavor (1966) e Hércules no Centro da Terra (1961), por
exemplo, estão presentes no longa.
Além disso, o filme também pode ser encarado como uma
espécie de final de ciclo, visto que, naquela época, o gênero gótico dava
sinais de declínio, e o que entrava em vigor eram os filmes mais pesados, os exploitation, por exemplo, algo que o
cineasta explorou no Giallo Banho de Sangue
(1971), que se tornou uma espécie de precursor do Slasher americano.
Por esse e outros motivos, Lisa e o Diabo é um filme que merece ser visto pelos fãs de terror.
Foi lançado em DVD no Brasil pela Versátil Home Vídeo,
na coleção Obras-Primas do Terror 2,
que conta com um documentário nos extras.
Enfim Lisa e o
Diabo é um filme excelente. Uma história de horror, mistério, romance e
fantasia contada com maestria pelo Maestro Mario Bava, que faz uso de suas técnicas
impares e únicas para contá-la. Um clima de mistério toma conta do filme desde
a primeira cena e permanece até o final, com a protagonista presa em uma espécie
de sonho macabro que encanta. Um dos melhores filmes de Mario Bava, e sua
grande obra-prima.
Créditos: Versátil Home Vídeo. |