sábado, 8 de fevereiro de 2020

A COMPANHIA DOS LOBOS (1984). Dir.: Neil Jordan.


NOTA: 10



A COMPANHIA DOS LOBOS (1984)
A COMPANHIA DOS LOBOS é um filme lindo! Lançado em 1984, é a segunda aventura de Neil Jordan na direção; dois anos antes, ele estreou no cinema com Angel, O Anjo da Vingança, onde também iniciou sua parceria com o ator Stephen Rea, que se tornaria seu colaborador recorrente.

À primeira vista, o filme parece uma versão adulta da historia da Chapeuzinho Vermelho, devido às semelhanças da narrativa com o conto original. Na verdade, o filme é uma adaptação de uma historia da escritora Angela Carter, que trabalhou no roteiro ao lado do diretor. Apesar de fazer parte do gênero terror, eu pessoalmente, classifico o filme como uma obra de fantasia. E assistindo, fica claro o motivo dessa classificação.

É um filme belíssimo, cheio de cores, sombras e luzes, mas, principalmente, sombras. Além disso, é um verdadeiro filme de terror gótico, com tudo que tem direito. Claro, não chega aos pés de um filme do Maestro Mario Bava, mas, possui alguns dos elementos presentes no gênero. Sem duvida, o mais evidente é a floresta envolta em névoas, presente em algumas cenas; outros elementos também aparecem, como o próprio visual da pequena igreja da vila e o cemitério com as lapides inclinadas.

Não só isso. É um filme de fantasia na melhor concepção da palavra. Jordan deu a ele um aspecto de sonho mesmo, o que o deixa ainda mais bonito de se ver. E a cada revisão, ele fica melhor. Eu já sabia que o filme era maravilhoso, e após a ultima revisão, minha opinião não mudou. É o tipo de filme que prende a atenção do espectador, seja pela narrativa, pela fotografia, pelo design de produção... Enfim, tudo nele contribui para sua beleza.

Esse aspecto de sonho se deve muito ao orçamento limitado. Segundo o próprio diretor, ele encontrou dificuldades em trabalhar com o orçamento de que dispunha para criar o visual do filme; mesmo assim, o resultado ficou excelente, e deu ao longa um aspecto tanto fantasioso quanto claustrofóbico. Em vários momentos, os cenários são tão pequenos que parece os personagens vão ser esmagados por eles, ou então, dá a impressão de que eles estão, de fato, presos em um mundo de fantasia criado pela menina em seus sonhos. Não é o tipo de sensação que encontramos em muitos filmes de terror hoje em dia.

Então, A Companhia dos Lobos pode ser considerado somente como um filme de fantasia, e não como um filme de terror? Ao contrário. É um verdadeiro filme de terror. Apesar de classifica-lo mais como um filme de fantasia, eu admito que é, sim, um filme de terror. O terror está em dois pontos. O primeiro é a atmosfera. Conforme já mencionado, é um filme de terror gótico, e isso já o faz ser assustador. Existem cenas que provocam arrepios na espinha. Uma delas acontece no inicio do filme, quando a irmã da protagonista é atacada e morta por um bando de lobos. Além de contar com aspecto de pesadelo, a cena conta com efeitos especiais convincentes, que deixam-na mais arrepiante; um deles é o bonequinho que ganha vida e corre atrás da garota, antes de ser derrubado por ela. A fotografia também é um elemento-chave. As cenas noturnas são verdadeiramente arrepiantes e sombrias, e passam a sensação de insegurança. Realmente, eu não queria me aventurar naquela floresta depois do escurecer. As árvores estão mortas, sem folhas, com galhos secos e retorcidos, semelhantes a garras, e parece que vão nos agarrar e nos engolir. É tudo muito bem feito.

Outro ponto são os efeitos especiais. Mesmo para a época, são muito bons e convencem sem esforço. A primeira grande cena é justamente a primeira cena de transformação. É uma cena assumidamente sangrenta, com efeitos práticos muito bem executados. Desde a primeira vez que a vi, fiquei impressionado porque é realmente uma cena bem feita. Parece que de fato, o ator Stephen Rea está se transformando em lobo – uma transformação visceral, diga-se de passagem – arrancando sua pele, expondo seus músculos cobertos de sangue, enquanto seu rosto e seu corpo se modificam, até atingirem a forma completa de um lobo. A última cena de transformação também é excelente – inclusive, é a melhor cena do filme. Ao contrario da primeira, ela não possui litros de sangue, mas consegue ser mais violenta, devido à performance do ator Micha Bergese. Para os mais exigentes, talvez essas cenas pareçam falsas, mas, para mim, é exatamente o contrario. São muito melhores do que qualquer efeito digital de hoje.

O elenco é também um ponto a favor. Todos, sem exceção, entregam atuações muito boas e convincentes. Parece mesmo que aquelas pessoas são reais e vivem naquela época. Inclusive, alguns até entregam atuações que beiram ao cômico, como por exemplo, o ator que interpreta o garoto apaixonado por Rosaleen. Logo na sua primeira cena, no funeral, ele mostra a língua para a menina e leva um peteleco da mãe. É muito engraçada. O garoto é um completo palhaço, sempre tentando conquistar Rosaleen, seja por meio de presentes ou usando um passeio na floresta depois da missa. Mas suas investidas mostram-se fracassadas. Difícil assistir e não rir. Mas a melhor cena acontece quando ele chega correndo na vila, avisando que há um lobo nas redondezas. O pai da menina, assustado por não vê-la, dá-lhe uma surra, que se transforma em uma briga coletiva, com direito a socos, empurrões e banhos de água. Hilário. Difícil assistir e não dar risada.

Mas, apesar das atuações convincentes, quem rouba a cena são os veteranos Angela Landsbury e David Warner, que interpretam a avó e o pai de Rosaleen. Dona de uma respeitável carreira no cinema e o teatro, ela dá um show interpretando a Vovó, oscilando entre o cômico e o sério. De verdade. É a típica avó que cuida da netinha e lhe passa lições de vida, além de contar suas historias de feras que vivem na floresta. A melhor cena é quando ela o padre discutem no pátio da igreja após o mesmo atingi-la na cabeça com um galho que acabou de podar. Uma discussão muito engraçada, que fica melhor toda vez que revejo o filme. David Warner também não decepciona. Assim como Landsbury, ele também parece um pai verdadeiro, disposto a proteger e cuidar da família. E o melhor é que o ator convence muito como um típico pai de vilarejo do século XVIII. Na verdade, a atriz que interpreta a mãe de Rosaleen também convence.

No entanto, quem dá coração ao filme é a atriz Sarah Patterson, fazendo sua estreia no cinema. Ela entrega uma atuação espetacular. Sua Rosaleen é a própria imagem da inocência juvenil: ingênua, mas inteligente, ela vive em um mundo de fantasia, e não tem medo dos possíveis perigos que vivem na floresta, nem mesmo quando encontra o Caçador. Além disso, ela ficou perfeita na caracterização da Chapeuzinho Vermelho, fugindo da imagem clássica da personagem – loira de olhos azuis. Difícil dizer qual a melhor cena. Ao que parece, ela era muito mais jovem do que as outras atrizes que o diretor de elenco procurava, além do fato de que ela não poderia compreender os temas adultos presentes na narrativa. Mas o importante é que ela conseguiu entregar uma excelente atuação, e criou uma das melhores personagens do horror dos anos 80.

Além de ser um filme de lobisomens, A Companhia dos Lobos é também uma antologia. Mas não é típica antologia, que começa com a primeira historia e vai passando para as outras. Aqui, a antologia se desenrola por meio das historias que a Vovó conta para Rosaleen. E não são uma seguida da outra. Ocorre um período de tempo entre uma historia e outra, o que deixa o filme mais interessante, e às vezes, faz com que esqueçamos que estamos diante de uma antologia. E não é apenas a Vovó conta historias. Rosaleen também suas próprias historias para contar, e são tão assustadoras quanto as da Vovó. Difícil dizer qual a melhor, mas a minha favorita é a ultima, que acontece no final do filme.

E além de ser um filme de lobisomens e uma antologia, o filme também é uma historia de amadurecimento e despertar sexual, representados pela própria Rosaleen. É possível perceber o quanto ela amadurece durante o filme, seja por meio das historias de sua avó, seja por conta própria. É impressionante a transformação da personagem, de uma garotinha a uma adolescente prestes a descobrir o sexo. Um desses momentos acontece quando ela ouve os pais fazendo sexo à noite, e no dia seguinte questiona a mãe o que aconteceu entre eles. Não sei vocês, mas para mim, isso mostra o quão crescida a menina está. Mas sem duvida, o verdadeiro despertar acontece quando ela encontra o Caçador na casa da Vovó. Mesmo não contendo nada explicito – até porque não poderia – a sequencia é carregada de conteúdo erótico, representado pela figura sedutora do Caçador. Além disso, dá ênfase à historia original da Chapeuzinho, que diziam, era repleta de conteúdo adulto, envolvendo até pedofilia, canibalismo e zoofilia.

Mas nada disso impede A Companhia dos Lobos de ser um conto de fadas. Como já mencionado, o filme possui um aspecto de sonho e fantasia, que e chega até ser meio infantil. Um dos motivos é o fato de que foi todo filmado em estúdio, provavelmente pelo orçamento limitado. Mas nada disso é um defeito. Os cenários parecem verdadeiros e são muito bem feitos. Outra limitação orçamentaria é o fato de o diretor utilizar pastores-belga para simular os lobos, uma vez que o roteiro pedia a presença de mais lobos. Mas isso também não é um empecilho. Eu consigo imaginar aqueles cachorros como se fossem lobos, sem o menor problema, principalmente por causa da sua aparência. Lobos de verdade só aparecem algumas vezes no filme, e por poucos minutos. Mas como já disse, não faz a menor diferença; o importante é que convence muito bem e sem esforço.

E qual a minha cena favorita? Bom, não posso dizer, porque acontece no final do filme, então seria um spoiler. Só digo que é belíssima, e que servirá de inspiração para mim no futuro.

A Companhia dos Lobos foi lançado em Setembro de 1984, e foi recebido com criticas positivas, apesar de não ter tido uma boa bilheteria. Além de receber criticas positivas, o filme recebeu vários prêmios ao redor do mundo. No Brasil, foi lançado em Julho de 1987. Não sei se chegou a ser lançado em VHS por aqui, mas foi lançado em DVD, numa edição de banca. Atualmente, está fora de catálogo. Lá fora, já foi lançado em Blu-ray, em belíssima versão restaurada. 

Sobre o lançamento nos cinemas americanos, uma curiosidade: o filme foi distribuído pela Cannon Group, que o divulgou como um filme de terror, contraria à intenção do diretor Neil Jordan, que acreditava que tal intenção seria enganosa.

Conforme mencionei na resenha de Grito de Horror, A Companhia dos Lobos faz parte de uma “trilogia” de filmes de lobisomens lançados nos anos 80. Na verdade, outros exemplares do gênero também foram lançados nessa época, mas sem duvida, os mais memoráveis são: Grito de Horror, Um Lobisomem Americano em Londres e A Companhia dos Lobos, que em minha opinião, é o melhor deles.

Enfim, A Companhia dos Lobos é um filme belíssimo. Um filme de terror gótico com elementos de fantasia. Um dos melhores filmes de lobisomens de todos os tempos.

Maravilhoso.

Altamente recomendado.



"Little girls, this seems to say
Never stop upon your way
Never trust a stranger friend
No one knows how it will end
As you're pretty, so be wise
Wolves may lurk in every guise
Now as then, 'tis simple truth
Sweetest tongue has sharpest tooth."









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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

NOTA.












Faleceu hoje, aos 103 anos, o ator Kirk Douglas, pai do ator Michael Douglas. A notícia foi dada pelo ator.

Dono de uma carreira de quase 80 filmes, Kirk Douglas era um dos últimos membros da Era de Ouro de Hollywood. Nascido em Nova York, começou sua carreira no teatro, e na década de 40, esteve na Broadway. Na mesma época, alistou-se na Marinha.

No cinema, o ator teve sua primeira indicação ao Oscar em 1949, pelo filme O Invencível, um clássico do cinema noir, considerado uma de suas melhores atuações.

Nos anos seguintes, continuou a trabalhar em muitos filmes, até que, em 1960, estrelou o épico Spartacus, dirigido por Stanley Kubrick. Até o hoje, o ator era lembrado pelo papel. Anteriormente, havia trabalhado com Kubrick em Glória Feita de Sangue (1957).

Em 1956, interpretou o pintor Vincent van Gogh no excelente Sede de Viver, de Vincente Minelli, onde atuou ao lado de Anthony Quinn.

Seus outros filmes incluem Ninho de Cobras (1970), ao lado de Henry Fonda; A Montanha dos Sete Abutres (1951), de Billy Wilder; Estranha Fascinação (1948), com Burt Lancaster; A Cidade dos Desiludidos (1962), também de Vincente Minelli, com Edward G. Robinson; O Rio da Aventura (1952), de Howard Hawks; Assim Estava Escrito (1952), também de Vincente Minelli; Vinkings, os Conquistadores (1958), de Richard Fleischer; Ulysses (1954), de Mario Camerini e Mario Bava, entre outros.

Outro de seus grandes trabalhos foi em 20.000 Léguas Submarinas (1954), também de Richard Fleischer, produzido pelos estúdios Disney, onde interpretou o heroico arpoador Ned Land. O ator dividiu a tela com outros grandes nomes, como Paul Lukas, Peter Lorre, e James Mason, que interpretou o Capitão Nemo. O filme levou dois Oscars em 1955, por Melhor Direção de Arte e Melhores Efeitos Visuais.

Nos anos 70, tentou levar o livro Um Estranho no Ninho para o cinema, com a esperança de interpretar o papel principal. O ator esteve na adaptação da Broadway. Michael Douglas acabou produzindo a adaptação para o cinema, dirigida por Milos Forman, e estrelada por Jack Nicholson, lançada em 1975. O filme levou o Oscar de Melhor Filme em 1976, além de outros prêmios.  

Foi um grande amigo do ator Karl Malden (1912-2009), que esteve em Streets of San Francisco, com Michael Douglas.

Apesar de nunca ter levado um Oscar de Melhor Ator, acabou levando um Oscar Honorário em 1996, e um premio do AFI: Life Achievement Award em 1987. Recebeu também o premio Cecille B. DeMille, e três indicações em Emmy. Em 2009, prestigiou o filho Michael na premiação do AFI, onde mostrou todo o orgulho que sentia dele.

Uma de suas ultimas aparições publicas ocorreu na premiação do Oscar em 2011, quando anunciou o premio de Melhor Atriz Coadjuvante. A atriz Melissa Leo levou o premio por sua atuação em O Lutador. Foi o grande momento da controversa premiação de 2011. A cerimonia do Oscar de 1958, cantou a canção “It’s Great Not to be Nominated”, ao lado de Burt Lancaster, uma performance muito divertida.

Também foi Embaixador da Boa Vontade dos EUA desde 1960, e, ao lado de sua atual esposa, fundou a “Harry’s Heaven”, para tratamento do Alzheimer.

Uma lenda de Hollywood, Kirk Douglas sempre será lembrado como um dos maiores atores de todos os tempos.

Fica aqui a homenagem do Livros & Filmes de Horror à Kirk Douglas.





Agradecimentos: Uol Entretenimento. 





LISA E O DIABO (1973). Dir.: Mario Bava.

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