NOTA: 10
A LENDA DO CAVALEIRO SEM CABEÇA (1999) |
A LENDA DO CAVALEIRO SEM CABEÇA
é um filme belíssimo! É um dos meus filmes favoritos do diretor Tim Burton
– o primeiro é Marte Ataca! (1996) – e sem duvida, um dos seus melhores –
aliás, nenhum filme do Tim Burton é
ruim, e ponto! Não digo isso só porque sou fã, mas porque é verdade.
Eu tive o prazer de ver esse filme no cinema com a minha família duas vezes, a primeira na semana da
estreia, e outra no ultimo dia, e adorei. Foi uma das melhores experiências da
minha vida, porque a historia original de Washington Irving faz parte da minha
vida desde sempre, principalmente por causa da maravilhosa animação da Disney.
Aliás, por anos, foi a única versão que eu conhecia, e quando soube que iria
acontecer, fiquei muito animado. Eu queria ver esse filme! E minha mãe
compartilhava esse sentimento, porque, uns dias antes, ela me acordou de
madrugada para assistir a um especial sobre ele na TV, e eu adorei, e a minha
vontade de assistir aumentou. E quando fomos ao cinema, fomos pegos de surpresa
pela primeira cena, com o cocheiro decapitado. Sem duvida, uma das melhores
apresentações de um filme. E o resto da sessão correu muito bem, com as
surpresas surgindo a cada momento. E quando fomos novamente para o cinema, a
sensação não mudou. E continua assim até hoje.
É o tipo de filme que não fica chato quando assistimos; pelo
contrario, fica melhor a cada vez. E isso se deve à genialidade de Tim Burton. Desde
que o descobri com Marte Ataca!, lançado três anos antes, eu me apaixonei, e essa
paixão dura até hoje. Tim Burton é o meu cineasta favorito, e é o diretor que
me inspira a querer fazer filmes, da mesma forma que os filmes de terror que
ele assistia na infância também o inspiraram. E aqui, ele presta diversas
homenagens a esses filmes.
Burton cresceu assistindo aos filmes de Roger Corman com Vincent
Price, seu ídolo maior, além das produções da Hammer com Christopher Lee, e
outros. Na minha opinião, infância melhor não há. Nada melhor do que assistir
aos filmes que você gosta, com os atores e diretores que você gosta, e acabar
se inspirando neles no futuro. Afirmo, sem medo, que Tim Burton é a minha
inspiração.
Nada em A Lenda do Cavaleiro
Sem Cabeça é ruim. A fotografia em preto e branco é linda; a direção de
arte, impecável; o figurino, belíssimo; a maquiagem, incrível... Tudo é lindo.
E é possível ver o quanto Burton é um cineasta excepcional. Sua direção é
madura e correta, com todos os detalhes em ordem, do jeito que deveriam estar,
tudo feito da maneira que ele sabe fazer.
Com certeza a paixão do cineasta pelo material é um dos fatores a
favor do filme. Burton conhecia a historia desde pequeno, através da animação
da Disney, e para ele, havia algo de extraordinário na figura de um Cavaleiro
Sem Cabeça, correndo a cavalo pela floresta com a espada e a abobora nas mãos.
E dá para ver que ele levou isso para o filme. Em vários momentos, a animação
da Disney está presente, principalmente nas cenas envolvendo o Cavaleiro.
Sério. Parece que Burton pegou a animação e literalmente a transformou em um
filme live-action, porque é tudo muito parecido! Não apenas as cenas envolvendo
o Cavaleiro, mas a cena da ponte também. A própria ponte que divide o lugarejo
de Sleepy Hollow em dois, é idêntica à ponte da animação; foi inclusive uma das
coisas que me chamou atenção no cinema. E as homenagens não param por aí.
Além disso, o clima soturno da animação também está presente no filme,
principalmente nas cenas noturnas. Um exemplo é a cena de exumação no
cemitério. Parece a abertura da animação, com as lapides inclinadas diante da
igreja. Muito bem feita. E claro, a sequencia da floresta também remete ao
filme da Disney, até porque, a sequencia de perseguição entre Ichabod e o
Cavaleiro já era soturna e assustadora; e aqui, Burton recria essa sensação.
Mas claro, além de prestar homenagens aos filmes de sua infância,
Burton também homenageia a historia original de Irving, apesar das inúmeras
diferenças. A mais evidente, para mim, é a Fazenda Van Tassel. Em vários
momentos, Irving descreve a casa de Baltus Van Tassel como um enorme castelo, e
aqui, isso foi reproduzido com fidelidade. A casa parece mesmo um castelo; na
verdade, parece um castelo de historias de fantasmas; todo imponente, que pode
ser visto do topo da colina... Uma construção arrepiante. O próprio lugarejo de
Sleepy Hollow também passa essa impressão. Uma pequena comunidade no meio do
campo, praticamente isolada do mundo, com animais como vacas, ovelhas e gansos
correndo ao ar livre. Um lugar bonito, mas com uma atmosfera assustadora. E
claro, o cavalo de Ichabod Crane, Pólvora. Mesmo com pouca presença na
historia, ele não poderia faltar, até porque, é o companheiro do professor no
clímax. E toda a descrição desajeitada de Ichabod como cavaleiro também
aparece, porque, simplesmente, não poderia faltar. É uma das principais
características da historia original. Alguns dos personagens também são
reflexos da historia original. Ichabod é um covarde, cheio de frescuras;
Katrina é doce, amável e sensível; Brom Bones é o valentão que tenta passar a
perna em Ichabod; Baltus é o fazendeiro rico; e o próprio Cavaleiro é o
espirito dominante da região, que mete medo nos habitantes do lugarejo. Enfim,
tudo que aparecia na historia aparece aqui, de maneira excepcional e perfeita.
Com certeza, um dos pontos principais da historia original, é quem era
o Cavaleiro Sem Cabeça e como ele perdeu sua cabeça. Aqui, isso é apresentado.
O Cavaleiro é um soldado hessiano que lutava em uma batalha nos arredores de
Sleepy Hollow. A única coisa que mudaram foi o modo como ele perdeu a cabeça: na
historia de Irving, ele é decapitado por uma bola de canhão; aqui é diferente.
A cena do flashback é uma das melhores, mostrando o Cavaleiro em toda sua
fúria, decapitando e trucidando soldados. Muito bem feita, bem dirigida e
atuada. Sangrenta e arrepiante.
Aliás, posso dizer que A Lenda
do Cavaleiro Sem Cabeça marca uma espécie de nova fase para o diretor Tim
Burton. No inicio de sua carreira, ele fazia filmes com um tom mais família,
quase sem nenhum sangue ou violência. Aqui, ele já muda de figura. O filme é
repleto de cenas sangrentas, com destaque para as decapitações. Dizem que os
responsáveis pela censura acharam as cenas tão pesadas que classificaram o
filme para maiores; aqui no Brasil, recebeu classificação “18 anos”, o que
gerou problemas para quem foi assistir no cinema. Hoje em dia, talvez as cenas não
sejam tão pesadas assim, mas na época, era compreensível. Não me lembro de ver
um filme do diretor anterior a esse com essa pegada. O próprio Burton inclusive
optou por não cortar as cenas de decapitação. E ao que parece, o diretor seguiu
essa nova linha, porque Sweeney Todd – O Barbeiro Demoníaco da Rua
Fleet (2007) é carregado de cenas sangrentas, por causa do conteúdo
original. E mesmo assim, não parece que foi dirigido por outro cineasta.
Incrível.
O elenco é também um dos pontos altos. Em sua terceira colaboração com
Burton, Johnny Depp está perfeito como Ichabod Crane. Também fã da animação da
Disney, ele conseguiu representar o personagem de maneira crível e divertida.
Suas cenas de desmaios são muito engraçadas e servem muito bem para quebrar a tensão
após uma cena assustadora. Em uma entrevista, Depp declarou que chegou a
cogitar a hipótese de usar próteses para ficar mais parecido com o Ichabod
Crane da animação, o verdadeiro Ichabod Crane. Sinceramente, achei que foi
muito bom que isso não aconteceu porque só existe um Ichabod Crane alto,
extremamente magro, com uma cabeça pequena e chata em cima, e nariz comprido,
que parece uma das pontas de um cata-vento preso ao seu fino pescoço. E esse
Ichabod Crane é o Ichabod Crane da Disney. Ponto! No entanto, as melhores
atuações são de Christina Ricci e Christopher Walken. A atriz interpreta
Katrina Van Tassel com uma delicadeza e uma beleza impressionantes. Parece que
ela assume a personagem, de tão perfeita que é sua atuação. Sem duvida, ela
soube traduzir a personagem melhor do que ninguém. Belíssima. Já Christopher
Walken está assustador no papel do Cavaleiro Sem Cabeça. Mesmo não aparecendo
muito, sua presença é marcante, e dá um ar maligno ao personagem. O Cavaleiro
também foi interpretado pelo dublê Ray Park no restante do filme, quando vemos
o personagem sem sua cabeça. Outro dublê também deu vida ao Cavaleiro nas cenas
de montaria. Mesmo assim, nenhum deles consegue superar Walken. O restante do
elenco também está muito bem em suas performances, e não parecem caricatos em
momento nenhum.
Como mencionado, A Lenda do
Cavaleiro Sem Cabeça é repleto de homenagens aos filmes que Burton assistia
na infância. A começar pelos clássicos da Hammer, estúdio de cinema britânico
responsável pelos maiores filmes do gênero nos anos 50, 60 e 70. O filme tem
todo um aspecto da Hammer, com suas cores escuras, sangue pulsante e
ambientação gótica. Lembra muito os primeiros filmes coloridos do estúdio, como
os filmes do Drácula, estrelados por Christopher Lee. Aliás, a presença do ator
é uma das maiores homenagens ao estúdio. Christopher Lee era um dos ídolos de
Burton, ao lado de Vincent Price, e sua presença é impactante. O ator aparece
por poucos minutos, mas valem a pena. A presença dele é imponente, que inspira
e exige respeito de quem está ali. Burton até menciona nos comentários que
todos da equipe pararam para prestar a atenção no ator, dada a sua magnitude.
Em outra cena, Burton cita suas inspirações também em Roger Corman e em Mario
Bava. Novamente, a fotografia e a ambientação contribuem. Além de lembrar os
filmes da Hammer, o filme também lembra os filmes do Ciclo Edgar Allan Poe,
estrelados por Vincent Price, que Corman dirigiu nos anos 60. Eu já tive o
prazer de assistir alguns dos filmes do Ciclo Edgar Allan Poe, e posso dizer
que a semelhança é impressionante. A floresta assombrada parece muito com as
florestas dos filmes de Corman. Aliás, um detalhe. A cena de investigação de
Ichabod na floresta possui uma das melhores tomadas do cinema de horror. O investigador
avista uma estranha figura branca andando por entre as arvores retorcidas e
decide ver o que é; para mim, é uma bela cena de floresta mal-assombrada, e com
certeza, vai servir de inspiração no futuro. Mas, voltando, parece mesmo que eu
estava vendo um filme de Roger Corman, e parecia que Vincent Price iria
aparecer a qualquer momento. A inspiração em Mario Bava também é evidente. A
cena em que Ichabod é perseguido por um falso Cavaleiro Sem Cabeça lembra muito
as cenas de A Máscara de Satã (1960) e As Três Máscaras do Terror (1963);
além disso, existem também duas outras homenagens ao filme de estreia de Bava,
todas muito bem feitas e respeitosas. Existe também uma homenagem ao Clássico Frankenstein
(1931), estrelado por Boris Karloff: a cena do moinho. Burton já
declarou que sua primeira lembrança de moinhos veio do filme de James Whale, e
assim como as homenagens à Bava e Corman, ele a presta com todo o respeito que
o filme merece. No entanto, além de homenagear seus filmes favoritos, o diretor
também homenageia a si mesmo. Os espantalhos que aparecem no milharal no começo
do filme lembram a fantasia de espantalho de Jack Skellington; o vestido que
Katrina usa em determinada cena lembra a roupa de Beetlejuice; e as
participações de seus ídolos, Christopher Lee e Michael Gough, remetem à
presença de seu ídolo máximo em Vincent (1982) e em Edward
Mãos-de-Tesoura (1990).
A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça
foi lançado em novembro de 1999 e tornou-se um sucesso de bilheteria. O
filme marca a terceira colaboração entre Tim Burton e Johnny Depp, iniciada em
1990 com o inigualável Edward Mãos-de-Tesoura. Os dois
trabalharam juntos novamente em Ed Wood (1994), cinebiografia do
“pior diretor de todos os tempos”; A Fantástica Fábrica de Chocolates (2004);
A Noiva-Cadáver
(2005); Sweeney Todd – O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet (2007); Alice
no País das Maravilhas (2010) e Sombras da Noite (2012), baseado na
série de TV “Dark Shadows”, de Dan Curtis.
Enfim, A Lenda do Cavaleiro Sem
Cabeça é um filme maravilhoso. Um dos meus filmes favoritos. Uma historia
de amor com elementos de suspense. Um verdadeiro conto de fadas. Excelente.
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