NOTA: 10
Que Stephen King é um mestre na arte de contar
histórias, todos sabemos disso, e, sinceramente, até agora, não li nenhum livro
ou conto de sua autoria que me decepcionou.
E mais uma vez, eu tive um exemplo da genialidade do
autor. A ZONA MORTA, lançado no final
dos anos 70, é um de seus maiores clássicos.
Primeiramente, eu acho difícil encaixar o livro em
uma única categoria, porque o autor mistura três gêneros diferentes: suspense,
ficção cientifica e romance. Mas devo dizer que os três gêneros se juntam com
maestria, e cada um desempenha o seu papel.
Eu confesso que ouvi falar dessa história pela
primeira vez quando assisti à adaptação dirigida por David Cronenberg em 1983,
e de cara, eu já me apaixonei, porque naquela época, eu já conhecia o autor,
mesmo que pelos filmes, e então, deveria saber que algo grande estava por vir,
mas, mais detalhes sobre isso na resenha do filme.
As inúmeras vezes que assisti ao filme foram o
suficiente para querer ler o livro, e então, decidi ir atrás do mesmo. No entanto,
não foi assim de imediato. A primeira vez que eu vi o livro, foi a finada
biblioteca daqui da minha cidade, numa edição que era da minha mãe. Anos
depois, durante uma viagem à SP, fui a um sebo com meu pai e meu irmão, e
comprei o livro, em outra edição. E quando a Suma relançou, eu comprei também e
foi essa a edição que eu li.
E que livro. A
Zona Morta é um livro fantástico. Mais uma vez, King se mostrou um mestre
na arte de contar histórias, e ele conseguiu contar uma história redonda, com
personagens cativantes e um enredo cheio de surpresas.
Como é de seu costume, King dividiu o livro em três
partes, e cada uma tem o seu mérito.
A primeira parte mostra a vida de Johnny antes e
durante o acidente que o deixou em coma, principalmente enquanto o mundo está
mudando ao seu redor. King descreve os acontecimentos com maestria, relatando
tudo com detalhes impressionantes; tanto que parece que estamos lá,
acompanhando tudo de perto. Vemos principalmente as mudanças nas vidas dos
demais personagens, como sua ex-namorada Sarah; seus pais; e Greg Stillson.
Sarah se casou com um estudante de Direito e se tornou mãe; sua mãe, Vera,
afunda-se cada vez mais na loucura provocada pelo fanatismo; e Greg Stillson dá
os primeiros passos em direção à carreira política.
O autor mostra o desenrolar desses personagens da
mesma forma que mostra os acontecimentos no mundo, intercalando tudo. Dessas
histórias paralelas, uma das melhores é a da mãe de Johnny. King mostra que a
personagem foi se tornando vítima do fanatismo pouco a pouco, pois acredita que
o filho pode acordar do coma, ao contrário de seu pai, que se mostra bem
realista quanto ao futuro do filho. Eu achei que bem sensato do autor mostrar
que seu pai não acredita que o filho possa voltar, e com isso, ele passa a
viver a sua vida; Vera é o oposto. Ela passa a frequentar grupos de orações e a
gastar dinheiro com isso, algo que acaba destruindo parcialmente a relação com
o marido. Gregg Stillson, por outro lado, também começa a colocar as mangas de
fora, mostrando-se um homem verdadeiramente perigoso, disposto a tudo para
alcançar seu objetivo, algo mostrado já no prólogo, numa cena horrorosa.
Quando Johnny desperta, ele se torna uma espécie de
celebridade, por causa de seus poderes, algo que ele renega, porque não
acredita que os poderes podem lhe trazer benefícios. Os principais
acontecimentos mostrados no filme de Cronenberg aparecem aqui: Johnny tendo a
visão da casa da enfermeira pegando fogo; e a perseguição ao assassino. Essa é,
na minha opinião, a melhor parte da história, porque dá um toque de suspense e
tensão que prendem o leitor e o deixam arrepiado. Toda a investigação é muito
bem escrita, além dos momentos anteriores, que mostram o assassino agindo em
Castle Rock. Enquanto eu lia toda essa sequência da investigação, eu pude
visualizar o que está no filme de Cronenberg, e isso foi muito legal, porque eu
já conhecia aquela história, mas do ponto de vista do filme; agora, só
precisaria conhece-la do ponto de vista do próprio autor, o mesmo vale para a revelação
e a derrota do assassino. E da mesma foram que Cronenberg, King entrega uma
cena sangrenta.
Na segunda parte do livro, King descreve a rotina de
Johnny como professor, algo que ele faz após se recuperar do acidente; tal
rotina é relatada com base na relação dele com um garoto rico que tem
dificuldades em aprender, mais ou menos como acontece no filme de Cronenberg,
mas aqui a coisa é mais extensa. A relação entre os dois é muito boa de
acompanhar, e quando o rapaz consegue se destacar em suas atividades, é difícil
não se ficar contente. Além da relação entre os dois, o autor também separa um
tempo para dedicar a obsessão de Johnny por Stillson, principalmente após
conhece-lo em um comício, e ter uma visão, assim como acontece na adaptação de
Cronenberg. King separa um capitulo extenso para contar a história de vida do
antagonista, destacando sua personalidade perigosa, algo já presente logo em
sua primeira aparição no prólogo, naquela cena horrível.
Sobre as novas previsões de Johnny, ambas acontecem
em momentos chaves. A primeira, com Stillson, acontece durante o comício do
político, e assim como no filme, Johnny prevê o fim do mundo. E a segunda,
envolvendo o garoto, acontece em sua festa de formatura, e o professor prevê um
inferno literal, o que provoca pânico nos presentes, e rende uma auto-homenagem
metalinguística bem legal, que me pegou de surpresa.
E o capítulo sobre a vida de Stillson também merece
nota, porque é tudo escrito com riqueza de detalhes impressionante, que não
fica muito maçante.
Além de contar como o mundo mudou ao redor de Johnny,
King também faz uso de figuras reais, como jornalistas e políticos, relatando,
inclusive, o encontro do protagonista com um candidato real que acabou vencendo
as eleições da época.
Ainda sobre a previsão de Johnny a respeito do garoto.
Durante a leitura, eu pude notar semelhanças – terríveis semelhanças – com o
famoso incidente da boate que ardeu em chamas em 2013, que ganhou a atenção não
apenas do Brasil, mas do mundo inteiro. Não sei se quem já leu o livro teve a
mesma impressão, mas vou deixa-la aqui, fique à vontade para concordar ou não.
E conforme mencionei, Johnny também dedica seu tempo
a descobrir informações a respeito de Greg Stillson, algo que ele faz de
maneira obsessiva. E no final, quando Johnny decide fazer alguma coisa a
respeito – quem já leu o livro ou viu o filme sabe do que estou falando – King nos
presenteia com momentos de tensão extrema, que nos provocam arrepios, pelo
menos para mim foi assim.
E na última parte do livro, King relata o que
aconteceu com os personagens após o comício de Stillson em Phoenix, por meio de
relatos, inquéritos e cartas.
Antes de encerrar, um pouco mais sobre o antagonista.
King praticamente transforma Stillson em um super-homem, que anda por aí
acompanhado de capangas armados até os dentes, a maioria, membros de gangues de
motociclistas, talvez inspirado naquela notícia que os Rolling Stones – ou outra
banda de rock – iam contratar os Hell’s Angels para serem seus seguranças. Existe
também o rumor que King de certa previu a candidatura de Donald Trump para presidência
dos EUA, o que de fato ocorreu, visto que os feitos de Stillson se assemelham
ao que Trump propagou durante seu mandato. Se isso é verdade ou não, talvez nem
o próprio autor saiba. Já eu consegui ver paralelos assustadores com a atual situação
política do Brasil – não vou entrar em detalhes, porque isso aqui não é sobre
esse assunto.
E claro, durante a leitura, eu não tive a menor
dificuldade de visualizar Johnny e os outros personagens interpretados pelos
atores do filme de Cronenberg, Johnny principalmente, mais durante o início do
filme, antes do acidente.
Este é um dos primeiros livros do Mestre ambientados
na cidadezinha de Castle Rock, cenário recorrente em suas histórias e romances.
Em 1983, conforme mencionado, recebeu uma excelente adaptação
para o cinema dirigida por David Cronenberg, e estrelada por Christopher Walken,
Herbert Lom, Brooke Adams, Tom Skerrit e Martin Sheen.
Enfim, A Zona Morta é um excelente livro de Stephen King. Mais uma vez, o autor se mostrou um excelente contador de histórias, com sua habilidade ímpar. O autor conseguiu criar cenas verdadeiramente tensas e trágicas, misturando os temas com maestria, além de contar a história do Estado Unidos com detalhes dignos de nota. Um verdadeiro clássico de sua bibliografia.
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